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MENSAGEM (intertextualidade com Os Lusíadas ) notas para o estudo

- Colégio de São Gonçalo 12º ano Prof. António Costa. MENSAGEM (intertextualidade com Os Lusíadas ) notas para o estudo. Camões / F . Pessoa. MODERNISMO - contextualização. F. Pessoa apercebeu-se da crise (valores, fé) que marcava o pensamento europeu do séc. XX;

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MENSAGEM (intertextualidade com Os Lusíadas ) notas para o estudo

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Presentation Transcript


  1. - Colégio de São Gonçalo • 12º ano • Prof. António Costa MENSAGEM(intertextualidade com Os Lusíadas)notas para o estudo Camões / F. Pessoa

  2. MODERNISMO- contextualização F. Pessoa • apercebeu-se da crise (valores, fé) que marcava o pensamento europeu do séc. XX; • Põe em causa a tradição cultural da civilização ocidental (religião, ciência, arte, política). • Contesta a moral enraizada em princípios maniqueístas. • vê na religião o factor que motiva o atraso civilizacional por ela atrofiar as capacidades intelectuais e críticas do indivíduo. • Acredita que a ciência não é a solução, apesar do domínio da técnica, e que persiste a ansiedade metafísica.

  3. MODERNISMO MODERNISMO: «a arte de ruptura» • Na arte, Pessoa defende a teoria do fingimento: o homem sente de uma forma convencional, condicionado por vários imperativos sociais. Assim… “O poeta é um fingidor Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente” Autopsicografia • A expressão do sentimento constitui-se como uma forma de mentira. • Em 1913, Pessoa implementa os «ismos» de vanguarda – primeira tentativa de salvar o estado de decrepitude das letras nacionais: - urgência em destruir as concepções tradicionais; - agitar a nação; - propor a literatura como forma de transformação social; - renovar a mentalidade saudosista da época; - chocar para mudar. • Em 1915, abandona atitude inicial; considera que a poesia deve dar conta do «doloroso enigma da vida».

  4. MODERNISMO • Acredita que um novo ciclo deveria ser inaugurado na história da literatura portuguesa. • Os lusitanos teriam um papel de relevo nessa nova era civilizacional. • Considera que a arte portuguesa deve ser… “maximamente desnacionalizada”, para ser moderna. • Sonha com a criação de um novo mundo (como no séc. XVI), através de novas formas de percepção e análise da realidade. • Mais do que combater o Saudosismo, Pessoa propunha a dissolução de Portugal… só das cinzas poderíamos renascer da catástrofe provocada pela derrota de Alcácer Quibir (perda da identidade nacional)

  5. MODERNISMO • O atraso de mentalidades e a estagnação chocante do país deprimia-o e motivava o seu isolamento. • Procurou nessa decadência da pátria o ponto de partida para se produzir um renascimento, uma renovação e revolução culturais. • A heteronímia e a consequente destruição da unidade do «eu» na escrita é o ponto de partida. • O projecto realiza-se na Mensagem: canto de apelo à vontade os portugueses para se realizar a mudança radical (forma de ser e de estar). • Pessoa anuncia-se como o profeta de uma nova era, preconizando o advento de um super-homem que promoveria o reencontro dos elementos integrantes da nossa personalidade colectiva. • Assim, a «desnacionalização» é a forma de nos redescobrirmos. • A regeneração do homem português e de Portugal seria o início de uma nova existência.

  6. Poema sobre Salazar - Fernando Pessoa mostra-se avesso a políticas de autoritarismo totalitário.

  7. MENSAGEM • A intenção do poeta: - não é cantar os feitos gloriosos dos antepassados portugueses (Camões); - é apresentar a ideia grandiosa que está subjacente à realização dos acontecimentos que engrandeceram a História nacional ; • A essência da obra: “E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo de que os sonhos são feitos.” (in, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação) • Para actuar enquanto espécie (“Humanidade” F. P.), é necessário saber ser indivíduo. Assim, Pessoa propõe uma aliança entre: a concepção renascentista do Homem e a descoberta romântica do “eu”, isto é, a simbiose entre duas realidades materiais numa que não é material – a Nação.

  8. MENSAGEM “Há três realidades sociais: o Indivíduo, a Nação, a Humanidade. Tudo o mais é fictício (…).” “O Indivíduo é a realidade suprema porque tem um contorno material e mental – é um corpo e uma alma vivas.” “O Indivíduo e a Humanidade são lugares, a Nação é o caminho entre eles.” F. Pessoa Nação = um caminho, um veículo para o futuro Super-Portugal: “A nação é a escola presente para a Super-Nação futura…” • Para Pessoa, importa acreditar na força propulsora, cujo dinamismo é a própria natureza humana, que se projecta sempre que existe um ideal: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.” (Mensagem, O Infante) • Pessoa encontra essa força no grande mito nacional - o Sebastianismo

  9. MENSAGEM – inquérito ao poeta • Pergunta: “Que pensa da nossa crise, dos seus aspectos – político, moral e intelectual?” • Resposta: No seu sentido superior e profundo, a desvalorização internacional da nação portuguesa deriva de três factores conjugados (da acção conjugada de três factores) — a incultura, geral como profissional, do indivíduo português e sobretudo do indivíduo das classes médias; a deficiência de propaganda de Portugal no estrangeiro; e a ausência de consciência superior da nacionalidade. (…) A causa fundamental, não há dúvida, é a longa decadência em que entrámos desde o fim da dinastia de Avis. Por decairmos, decaíram paralelamente o indivíduo português e o Estado Português, administrado por esses indivíduos. E, decaindo o indivíduo e o Estado, deixou de haver uma consciência superior da nacionalidade e dos fins nacionais, (…) e deixou de haver a precisa propaganda de Portugal no estrangeiro, (…) falho o orgulho nacional, havia quem, individualmente, se ocupasse em o erguer ante o estrangeiro. (…) O nosso homem das classes médias — e as classes médias são o esteio de um país — é mal culto, ignorante, profissionalmente instintivo ou atado (profissionalmente no comércio); a propaganda da nossa terra é descurada pelo estado, absorvido por políticos, pelos indivíduos, desnacionalizados e inertes, para tudo quanto não seja os seus baixos interesses ou os interesses superiores da sua política inferior; e a invasão das ideias estrangeiras, (…) privou-nos de podermos criar, não já um orgulho nacional, mas uma simples consciência superior da nossa nacionalidade .

  10. MENSAGEM – inquérito ao poeta • Pergunta: “Sim ou não o moral da Nação pode ser levantado por uma intensa propaganda, pelo jornal, pela revista e pelo livro, de forma a criar uma mentalidade colectiva capaz de impor aos políticos uma política de grandeza nacional? (…)” • Resposta: “Há só uma espécie de propaganda com que se pode levantar o moral de uma nação — a construção ou renovação e a difusão consequente e multímoda de um grande mito nacional. (…) O mundo conduz-se por mentiras; quem quiser despertá-lo ou conduzi-lo terá que mentir-lhe delirantemente, e fá-lo-á com tanto mais êxito quanto mais mentir a si mesmo e se compenetrar da verdade da mentira que criou. Temos, felizmente, o mito sebastianista, com raízes profundas no passado e na alma portuguesa. Nosso trabalho é pois mais fácil; não temos que criar um mito, senão que renová-lo. Comecemos por nos embebedar desse sonho, por o integrar em nós, por o encarnar. (…) Então se dará na alma da Nação o fenómeno imprevisível de onde nascerão as Novas Descobertas, a Criação do Mundo Novo, o Quinto Império. Terá regressado El-Rei D. Sebastião.”

  11. MENSAGEM – teorização do poeta • “O meu intenso sofrimento patriótico, o meu intenso desejo de melhorar o estado de Portugal, provocam em mim — como exprimir com que ardor, com que intensidade, com que sinceridade !— mil projectos que mesmo se realizáveis por um só homem, exigiriam dele uma característica puramente negativa em mim — força de vontade. (…) E, depois, incompreendido. Ninguém suspeita do meu amor patriótico, mais intenso do que o de todos aqueles a quem encontro ou conheço. “ Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação • Intertextualidade Camões/Pessoa: “…As cousas árduas e lustrosas, Se alcançam com trabalho e com fadiga; Faz as pessoas altas e famosas A vida que se perde e que periga, Que, quando ao medo infame não se rende, Então, se menos dura, mais se estende.” (Camões, Os Lusíadas, IV, 78) “…Só aquilo que vale a pena custa e dói. Bendita a dor e a pena pelas quais o Mundo se transforma.” Fernando Pessoa, Ultimatum e Páginas de Socioogia Política

  12. MENSAGEM – o sonho do poeta • Mensagem é… • O canto de um passado histórico que se transforma num mito, para que possamos reinventar o futuro -ultrapassar as várias fases de um percurso iniciático (a «escola») - objectivo: atingir o renascimento do homem português enquanto ser espiritual. • A conquista sonhada - a identidade perdida reencontrar-se-ia e traria consigo… - o Rei (arquétipo de Pai) - o Espaço (arquétipo de Mãe) a nova PÁTRIA.

  13. MENSAGEM – a génese • Único livro publicado em vida; • Motivo: foi o único livro que ele conseguiu completar; • Em carta de 1932, o poeta atesta a intenção de publicar primeiro Portugal (primeiro título de Mensagem) e só depois O Livro do Desassossego e a poesia dos heterónimos; • A palavra Mensagem começa, desde logo, por explorar os domínios do simbólico e do mistério – divide-se em três MensagitatMolem (a mente move a matéria); Pessoa acha-a mais apropriada do que Portugal (ver acetato); • Um mês depois da sua publicação, o livro foi premiado pelo S. P. N., com um 2º prémio (com o mesmo valor pecuniário do 1º); • Mensagem é, para Pessoa, o primeiro passo, na direcção de um outro futuro.

  14. MENSAGEM – a génese • “o pequeno livro de poemas” é um livro de orações pagãs; • Contém um plano cheio de heróis que abandonam a carne e o osso em favor do símbolo; • É um livro fácil de ler, mas difícil de compreender; • exige a análise e a reflexão; • Não tem o lirismo inocente de Camões, nem o tom cristão e pacífico dos sermões de Vieira; • É um mega poema de exaltação nacionalista; • Se Pessoa fala de figuras, é para depois as tornar em símbolo; • Se fala em eventos, é para depois os tirar do tempo, reduzindo-os a uma parte de um destino maior; • Tudo em torno de uma Índia que não existe ainda, embarcando tudo o que o sonho humano permite.

  15. MENSAGEM - ESTRUTURA • Características gerais • Estrutura: externa e interna (ver manual Plural, Lisboa Editora: páginas 141)

  16. Mensagem - análise • Abertura: “BenedictusDominus Deus nosterquideditnobissignum” elocução em latim, com profundos significados herméticos1, nomeadamente Rosa-crucianos2. • Tradução: “Bendito sejas Deus nosso Senhor, que nos deu o verbo” ou “…deu o sinal”. • Assim, na abertura, FP diz ao leitor, de maneira velada, que Mensagem é uma obra de símbolos. • Para FP, Jesus Cristo (“nosso Senhor”) é o maior símbolo: Jesus é logos, o intermediário intelectual, entre a misteriosa vontade do Deus criador e o alcance humano da razão. • Este símbolo magno antecipa, pois, todos os outros símbolos (humanos) • FP revela grande interesse de no ocultismo e na Cabala3(episódio com AleisteirCrowley)

  17. Mensagem - análise • A divisão do poema em 3 partes não é inocente: na tradição cabalística, o nº 3 representa a transformação e unificação de polaridades opostas, onde o espiritual governa o físico ea mente governa a matéria. • (nº 3 na Bíblia: trindade; criação do mundo: 3 dias para criar o Céu e a Terra; + 3 dias para os povoar) • “Brasão”: - representa em símbolo a nobreza do povo português, na sua essência primordial; - é críptico em si mesmo, uma representação em símbolos e cores, para identificar indivíduos, famílias, actos de nobreza e heroísmo (acetato); - FP quer, desde logo, fixar hermeticamente (falando da conquista do território), para depois dissolver e sublimar.

  18. Brasão de Portugal

  19. Mensagem - análise • A 1ª parte de Mensagem • “Bellumsinebello” = “guerra sem guerrear” a parte que se mantém sempre eterna, como nobreza e carácter. • Tem 19 poemas (1+9=10=1+0=1, a unidade, o início) • Dedicada ao tema da filosofia/religião cristã; • Subtítulo “Os Campos” = os terrenos simbólicos onde a luta se inicia, pelas “Quinas”, título do poema segundo da primeira parte: “O Das Quinas”

  20. Mensagem - análise • “Os Castelos”: significado apenas heráldico ou tb simbólico? - em Castelos, são expostas as bases fundadoras da nação; - é a parte II de Campos (função dos castelos na IM…) - serão para FP as figuras fortes, maciças, em cujos feitos se baseiam todas as outras; - serão pois sinónimo de “Fortalezas”, “Bases Seguras”; - 7 Castelos: soma do ternário (Céu), como quaternário (Terra) = totalidade do universo criado; - Bíblia: Deus precisou de 7 dias para criar o mundo; - a importância do mito: FP inicia “Os Castelos” com Ulisses = as coisas morrem e em essência, em mito se renovam, renascem.

  21. Mensagem– vocabulário • 1Hermetismo é o estudo e prática da filosofiaoculta e da magia associados a escritos atribuídos a Hermes Trismegisto, "Hermes Três-Vezes-Grande", uma deidade sincrética que combina aspectos do deus gregoHermes e do deus egípcioThoth. Estas crenças tiveram influência na sabedoria oculta europeia… • Leis herméticas São sete as principais leis herméticas, estas baseiam-se nos princípios incluídos no livro "O Caibalion" que reúne os ensinamentos básicos da Lei que rege todas as coisas manifestadas. A palavra Caibalion seria um derivado grego da mesma raíz da palavra Cabala, que em hebraico significa "recepção". Lei do Mentalismo "O Todo é Mente; o Universo é mental." Lei da Correspondência "O que está em cima é como o que está em baixo. E o que está em baixo é como o que está em cima" Lei da Vibração "Nada está parado, tudo se move, tudo vibra". Lei da Polaridade "Tudo é duplo, tudo tem dois pólos, tudo tem o seu oposto. O igual e o desigual são a mesma coisa. Os extremos tocam-se . Todas as verdades são meias-verdades. Todos os paradoxos podem ser reconciliados" Lei do Ritmo "Tudo tem fluxo e refluxo, tudo tem as suas marés, tudo sobe e desce, o ritmo é a compensação". Lei do Género "O Género está em tudo: tudo tem os seus princípios Masculino e Feminino, o género se manifesta em todos os planos da criação". Lei de Causa e Efeito "Toda causa tem seu efeito, todo o efeito tem sua causa, existem muitos planos de causalidade mas nenhum escapa à Lei".

  22. Mensagem - vocabulário • 2Rosa-cruz(Rosacruz ou Rosacrucianismo) refere-se a diversas organizações místicas e esotéricas, normalmente denominadas fraternidades ou Ordens, que se reinvindicam herdeiras de tradições antigas e que usam rituais associados à Franco-maçonaria. • A Ordem Rosacruz foi fundada, segundo certas lendas, por ChristianRosenkreuz, peregrino do século XV. Alguns historiadores apontam, contudo, a sua origem num grupo de protestantes alemães, em 1604 ou 1605.

  23. Mensagem - vocabulário • 3"Cabala“: é uma doutrinaesotérica que visa conhecer a Deus e o Universo, sendo afirmado que nos chegou como uma revelação para eleger santos de um passado remoto, e reservada apenas a alguns privilegiados. • Grande parte das formas de Cabala ensinam que cada letra, palavra, número, e acento da Escritura contêm um sentido escondido e ensina os métodos de interpretação para verificar esses significados ocultos. • Desde o final do século XIX, com o crescimento do estudo da cultura dos Judeus, a Cabala também tem sido estudada como um elevado sistema racional de compreensão do mundo, mais que um sistema místico.

  24. Os Lusíadas / Mensagem • Relação Intertextual:

  25. INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem O DOS CASTELOS A Europa jaz, posta nos cotovelos: De Oriente a Ocidente jaz, fitando, E toldam-lhe românticos cabelos Olhos gregos, lembrando. O cotovelo esquerdo é recuado; O direito é em ângulo disposto. Aquele diz Itália onde é pousado; Este diz Inglaterra onde, afastado, A mão sustenta, em que se apoia o rosto. Fita, com olhar sphyngicoe fatal, O Ocidente, futuro do passado. O rosto com que fita é Portugal. F. Pessoa, Mensagem, I-I, 1 6"Entre a Zona que o Cancro senhoreia, Meta setentrional do Sol luzente, E aquela que por fria se arreceiaTanto, como a do meio por ardente, Jaz a soberba Europa, a quem rodeia, Pela parte do Areturo, e do Ocidente, Com suas salsas ondas o Oceano, E pela Austral o mar Mediterrano. 17"Eis aqui se descobre a nobre Espanha, Como cabeça ali de Europa toda, Em cujo senhorio o glória estranha Muitas voltas tem dado a fatal roda; Mas nunca poderá, com força ou manha, A fortuna inquieta pôr-lhe noda, Que lhe não tire o esforço e ousadia Dos belicosos peitos que em si cria. 20"Eis aqui, quase cume da cabeça De Europa toda, o Reino Lusitano, Onde a terra se acaba e o mar começa, E onde Febo repousa no Oceano. Este quis o Céu justo que floresça Nas armas contra o torpe Mauritano, Deitando-o de si fora, e lá na ardente África estar quieto o não consente. 21"Esta é a ditosa pátria minha amada, A qual se o Céu me dá que eu sem perigo Torne, com esta empresa já acabada, Acabe-se esta luz ali comigo. Esta foi Lusitânia, derivada De Luso, ou Lisa, que de Baco antigo Filhos foram, parece, ou companheiros, E nela então os Íncolas primeiros. Os Lusíadas, canto III

  26. Comentário: O poema é uma descrição do mapa da Europa que Pessoa assemelha a uma mulher reclinada. Compare-se com o trecho d' Os Lusíadas (canto III, est. 6-21). O Campo dos castelos representa a materialidade(ver "O das Quinas"). "olhos gregos, lembrando"- lembrando a herança cultural da Europa que Pessoa remontava à Grécia Antiga. "olhar sphyngico e fatal"- olhar enigmático (imperscutável) e (mas) pré-destinado. Note-se que, por fidelidade, foi mantida a ortografia original o que permite, também, conservar a métrica que seria alterada pela grafia "esfíngico" em vez de “sphyngico". Ao que parece, Fernando Pessoa favorecia a ortografia clássica por razões de estilo, mas também de elitismo. "o Ocidente, futuro do passado"- o Mar, onde a Europa se lançou, através de Portugal, na grande Idade das Descobertas com a qual traçou o seu próprio futuro (o actual e, pensa Pessoa, também o futuro a haver).

  27. Em análise: Superficialmente, numa primeira leitura, trata-se de um poema “geográfico”, mero exercício comparativo do mapa físico da Europa com a figura de uma pessoa. “A Europa jaz, posta nos cotovelos: / De Oriente a Ocidente jaz, fitando, / E toldam-lhe românticos cabelos / Olhos gregos, lembrando.”.Nada de extraordinário até aqui. Os fiordes escandinavos realmente parecem uma cabeleira vasta. “O cotovelo esquerdo é recuado; / O direito é em ângulo disposto. / Aquele diz Itália onde é pousado; / Este diz Inglaterra onde, afastado, / A mão sustenta, em que se apoia o rosto”. Ainda sem maior interesse. Dir-se-ia — e aí precisamente mora o perigo — um poema vulgar. Se conferirmos no mapa da Europa — é assim mesmo: os acidentes Itália e Inglaterra são como que os cotovelos de uma jovem. “Fita, com olhar sphyngico e fatal, / Occidente, futuro do passado.” Aqui, as ideias já começam a “complexificar-se”. O poeta anuncia algo de grandioso: “Fita, com olhar sphyngico e fatal,/ O Occidente, futuro do passado.” Finalmente: “O rosto com que fita é Portugal.” “Feche o livro, caro leitor, respire fundo e contemple o Infante preparando as navegações daquela nesga minúscula, simplório enclave geográfico no mapa d’Espanha... — quanta glória!!! Ah, meu Deus, quanta glória em 7 (sete, misticamente sete — dizem que Mensagem é uma mensagem misticamente cifrada; parece que é!), sete palavras apenas para tamanha grandiosidade. Os lusos, Os Lusíadas (…) contidos nesta frase perfeita: “O rosto com que fita é Portugal.”! Disse Pessoa a frase perfeita. Veja o caro leitor se tenho razão em chamá-la perfeita. O rosto — de quem, o rosto? — do mapa anteriormente descrito, o rosto da Europa, símbolo então de toda a civilização ocidental, o rosto da Humanidade, o rosto de Deus? Quem, afinal, fita o mundo?! Agora percebemos que a estrofe anterior — o olhar sphyngico— era terreno preparatório (…) para o grande final (…), onde fitar não é simplesmente sinónimo de olhar. Portugal, no extremo (ou no início!) do mapa e no extremo do verso, FUNDA o mundo e o domina! E na ponta da lança dos seus guerreiros, o missal dos frades enlouquecidos, a esmagar os deuses das novas terras, em nome do Cristo! Quem olha, afinal? A Cruz-de-Malta?! Já não há mais tempo: eis o abismo, caia nele, de ponta!". Soares Feitosa, inJornal de Poesia

  28. INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem 96"Eis depois vem Dinis, que bem parece Do bravo Afonso estirpe nobre e dina, Com quem a fama grande se escurece Da liberalidade Alexandrina. Com este o Reino próspero floresce(Alcançada já a paz áurea divina)Em constituições, leis e costumes,Na terra já tranquila claros lumes. 97"Fez primeiro em Coimbra exercitar-se O valeroso ofício de Minerva; E de Helicona as Musas fez passar-se A pisar do Monde-o a fértil erva. Quanto pode de Atenas desejar-se, Tudo o soberbo Apolo aqui reserva. Aqui as capelas dá tecidas de ouro, Do bácaro e do sempre verde louro. 98"Nobres vilas de novo edificou Fortalezas, castelos mui seguros, E quase o Reino todo reformou Com edifícios grandes, e altos muros. Mas depois que a dura Átropos cortou O fio de seus dias já maduros, Ficou-lhe o filho pouco obediente, Quarto Afonso, mas forte e excelente. Os Lusíadas, canto III

  29. Comentário: - No século XIII, a Europa estava desflorestada, após séculos de exploração selvagem das florestas primevas. -D. Dinis levou a cabo um vasto plano de reflorestação através do plantio de matas reais de pinheiros bravos. -A madeira foi depois utilizada na construção das caravelas das Descobertas; ela é o tema deste belo oitavo poema da Mensagem. "Cantar de Amigo"- poema medieval, cantado pelos trovadores. D. Dinis escreveu vários destes cantares. "silêncio múrmuro"- silêncio murmurante. "arroio"- riacho; "marulho"- som do mar.

  30. INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem 17Em vós se vêm da olímpica moradaDos dois avós as almas cá famosas,Uma na paz angélica dourada,Outra pelas batalhas sanguinosas;Em vós esperam ver-se renovadaSua memória e obras valerosas;E lá vos tem lugar, no fim da idade,No templo da suprema Eternidade. Os Lusíadas, canto I 6E vós, ó bem nascida segurançaDa Lusitana antígua liberdade, E não menos certíssima esperançaDe aumento da pequena Cristandade;Vós, ó novo temor da Maura lança,Maravilha fatal da nossa idade,Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,Para do mundo a Deus dar parte grande;7Vós, tenro e novo ramo florescenteDe uma árvore de Cristo mais amadaQue nenhuma nascida no Ocidente,Cesárea ou Cristianíssima chamada;(Vede-o no vosso escudo, que presenteVos amostra a vitória já passada,Na qual vos deu por armas, e deixouAs que Ele para si na Cruz tomou) 16Em vós os olhos tem o Mouro frio,Em quem vê seu exício afigurado;Só com vos ver o bárbaro GentioMostra o pescoço ao jugo já inclinado;Tethys todo o cerúleo senhorioTem para vós por dote aparelhado;Que afeiçoada ao gesto belo e tenro,Deseja de comprar-vos para genro. D.SEBASTIÃO REI DE PORTUGAL Louco, sim, louco, porque quis grandeza Qual a Sorte a não dá. Não coube em mim minha certeza; Por isso onde o areal está Ficou meu ser que houve, não o que há. Minha loucura, outros que me a tomem Com o que nela ia. Sem a loucura que é o homem Mais que a besta sadia, Cadáver adiado que procria? F. Pessoa, Mensagem, I-III, 5

  31. Os Lusíadas, canto I • Na Dedicatória: Camões dedica a sua obra ao rei D. Sebastião. • O tom é laudatório: Camões faz o enaltecimento do jovem rei. “Vós, poderoso Rei, cujo alto Império O Sol, logo em nascendo, vê primeiro” • Para Camões: - o rei é garantia da independência do país; - é a quem cabe uma missão, no cumprimento da vontade de Deus: alargar a fé cristã. “E vós, (…)E não menos certíssima esperançaDe aumento da pequena Cristandade; (…) Maravilha fatal da nossa idade,Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,Para do mundo a Deus dar parte grande.” • O mito sebastianista: - surge após a perda da independência em 4/8/1578; - tem um fundo messiânico, expressão da tentativa desesperada de reconquista da identidade perdida e da restauração da nacionalidade.

  32. D.SEBASTIÃO REI DE PORTUGAL, Mensagem • Localização do poema “D. Sebastião, Rei de Portugal”: I, III - Quinas, 5ª • Fernando Pessoa, na “Mensagem”: - evoca o mito sebastianista, apresentando o rei como “O Desejado”; - cumpre a aglutinação mítica que se encontra na origem do mito português, como “O Encoberto”. • D. Sebastião: surge como a figura arquetipal do esforço e da grandeza do herói português. • “loucura”: adquire uma conotação positiva e associa-se à capacidade de sonhar e à esperança que caracterizam o herói – aquele que é capaz de superar a «besta». • O sujeito poético: - a sua voz identifica-se com a voz de D. Sebastião; - dirige um apelo aos portugueses, estabelecendo a união entre o passado e o presente da nossa história: “Minha loucura, outros que me a tomem Com o que ela ia.”

  33. D.SEBASTIÃO REI DE PORTUGAL, Mensagem • Para F. Pessoa: o homem do séc. XX deveria… - deixar-se impregnar pela essência do mito sebastianista; - conceber a “loucura” de D. Sebastião como o sonho que permitiria a renovação do país e a construção de um futuro promissor, isto é, o renascimento de Portugal. “O génio, o crime e a loucura, provêm, por igual, de uma anormalidade; representam, de diferentes maneiras, uma inadaptabilidade ao meio.” Fernando Pessoa

  34. INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem 37 "Corre raivosa, e freme, e com bramidos Os montes Sete Irmãos atroa e abala: Tal Joanne, com outros escolhidos Dos seus, correndo acode à primeira ala: -"Ó fortes companheiros, ó subidos Cavaleiros, a quem nenhum se iguala, Defendei vossas terras, que a esperança Da liberdade está na vossa lança.” 45 "Destas e outras vitórias longamente Eram os Castelhanos oprimidos, Quando a paz, desejada já da gente, Deram os vencedores aos vencidos, Depois que quis o Padre omnipotente Dar os Reis inimigos por maridos As duas ilustríssimas Inglesas, Gentis, formosas, ínclitas princesas.” Canto IV, Os Lusíadas D. JOÃO O PRIMEIRO O homem e a hora são um só Quando Deus faz e a história é feita. O mais é carne, cujo pó A terra espreita. Mestre, sem o saber, do Templo Que Portugal foi feito ser, Que houveste a glória e deste o exemplo De o defender. Teu nome, eleito em sua fama, É, na ara da nossa alma interna, A que repele, eterna chama, A sombra eterna. D.PHILIPPA DE LENCASTRE Que enigma havia em teu seio Que só génios concebia? Que archanjo teus sonhos veio Vellar, maternos, um dia? Volve a nós teu rosto sério, Princeza do Santo Gral, Humano ventre do Império, Madrinha de Portugal!

  35. D. João, o Primeiro / D. Filipa de Lencastre D. João o Primeiro: "O homem e a hora são um só, quando Deus faz e a História é feita"- Fernando Pessoa exprime de novo a ideia de que o destino é traçado por Deus e rege inexoravelmente a História. Quando uma nação atinge uma encruzilhada (como Portugal em 1383) é ahorae os escolhidos executam os actos determinados. O homem é o papel que desempenhou, este é o requerido pela ocasião (pela hora), a ocasião é determinada pelo Destino, o Destino foi traçado por Deus. Conhecemos D. João I porque teve a sua hora; sem ela teria sido um obscuro mestre de uma ordem militar obscura. Sem a hora não teria havido o homem... "na ara da nossa alma interna"- no altar do nosso espírito nacional. "repele a sombra eterna"- repele o olvido, que seria o destino de Portugal se perdesse a sua identidade como nação. D. Filipa de Lencastre: "Que enigma havia em teu seio que só génios concebia"- referência à chamada "ínclita geração" dos filhos de D. Filipa e D. João I. "Volve a nós teu rosto sério"- vira o teu rosto (sisudo...) e olha para nós; lembra-te de Portugal; reza por nós! "Princesa do Santo Gral"- referência ao Graal procurado pelos cavaleiros medievais das lendas da Távola Redonda. Existem várias versões sobre o que seria, mas a mais comum refere-o como a taça de onde Cristo bebera na Última Ceia e/ou que teria recolhido o seu sangue na Cruz. A referência deve ser interpretada como "Princesa mística" porque fadada por Deus para ser mãe dos principes da ínclita geração e muito particularmente do Infante D.Henrique; ou "Princesa da grandeza (futura) de Portugal" (o Graal era suposto trazer felicidade à Terra).

  36. INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem 12"Sempre enfim para o Austro a aguda proaNo grandíssimo gólfão nos metemos,Deixando a serra aspérrima Leoa,Co'o cabo a quem das Palmas nome demos.O grande rio, onde batendo soaO mar nas praias notas que ali temos,Ficou, com a Ilha ilustre que tomouO nome dum que o lado a Deus tocou.13"Ali o mui grande reino está de Congo,Por nós já convertido à fé de Cristo,Por onde o Zaire passa, claro e longo,Rio pelos antigos nunca visto.Por este largo mar enfim me alongoDo conhecido pólo de Calisto,Tendo o término ardente já passado,Onde o meio do mundo é limitado.14"Já descoberto tínhamos diante,Lá no novo Hemisfério, nova estrela,Não vista de outra gente, que ignoranteAlguns tempos esteve incerta dela.Vimos a parte menos rutilante,E, por falta de estrelas, menos bela,Do Pólo fixo, onde ainda se não sabeQue outra terra comece, ou mar acabe. Os Lusíadas, canto V 1"Estas sentenças tais o velho honradoVociferando estava, quando abrimosAs asas ao sereno e sossegadoVento, e do porto amado nos partimos.E, como é já no mar costume usado,A vela desfraldando, o céu ferimos,Dizendo: "Boa viagem", logo o ventoNos troncos fez o usado movimento.2"Entrava neste tempo o eterno lume No animal Nemeio truculento,E o mundo, que com tempo se consume, Na sexta idade andava enfermo e lento: Nela vê, como tinha por costume, Cursos do sol quatorze vezes cento, Com mais noventa e sete, em que corria, Quando no mar a armada se estendia.3"Já a vista pouco e pouco se desterraDaqueles pátrios montes que ficavam;Ficava o caro Tejo, e a fresca serraDe Sintra, e nela os olhos se alongavam.Ficava-nos também na amada terraO coração, que as mágoas lá deixavam;E já depois que toda se escondeu,Não vimos mais enfim que mar e céu.4"Assim fomos abrindo aqueles mares,Que geração alguma não abriu,As novas ilhas vendo e os novos ares,Que o generoso Henrique descobriu;De Mauritânia os montes e lugares,Terra que Anteu num tempo possuiu,Deixando à mão esquerda; que à direitaNão há certeza doutra, mas suspeita. O INFANTE Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E viu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo. Quem te sagrou criou-te português. Do mar e nós em ti nos deu sinal. Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal! Mensagem, V, 1

  37. “O Infante” - Comentário: Este poema é um dos mais conhecidos e mais marcantes de Mensagem. "Foste desvendando a espuma e a orla branca foi de ilha em continente..."- a espuma das ondas que acabam nas praias ou rebentam contra os rochedos marca as costas com uma orla branca. A frase anterior é uma forma poética de dizer que as costas foram sendo descobertas, primeiro as ilhas e depois os continentes, "até ao fim do mundo". "Quem te sagrou criou-te português"- porque, segundo Fernando Pessoa, Deus fadou Portugal para um magno destino e o Infante foi, por assim dizer, parte do "puzzle". "Do mar e nós, em ti nos deu sinal"- através de ti revelou-nos que o nosso destino era o Mar. "Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez / ...falta cumprir-se Portugal"- cumpriu-se o destinado: - o Mar foi desvendado; o Império Português (isto é, o controle das rotas oceânicas e a hegemonia no Índico) desfez-se. - Pessoa pensa que Portugal está destinado à grandeza futura, e isso ainda não se cumpriu!

  38. “O Infante” - Comentário: Terceira estrofe Quem te sagrou criou-te português. = Quem te elegeu, fez-te de Portugal. Do mar e nós em ti nos deus sinal. = Fez de ti um símbolo para todos os Portugueses. Cumpriu-se o mar, e o Império se desfez. = Já tivemos a posse do mar (o Império Marítimo) e o Império espiritual desfez-se. Senhor, falta cumprir-se Portugal! = Falta ainda, no entanto, cumprir-se o Destino adiado de Portugal. - Conclusão aparentemente paradoxal, mas para Pessoa, depois do Império Marítimo, falta ainda tudo – falta cumprir-se Portugal. - Para Pessoa, Portugal era mais do que apenas terra, para ele, Portugal era língua, cultura, espírito e alma. - Pessoa entende que falta cumprir-se o destino glorioso (e imaterial) da alma, já que se desfez o destino material do corpo.

  39. Horizonte vs Os Lusíadas, c IX HORIZONTE Ó mar anterior a nós, teus medos Tinham coral e praias e arvoredos. Desvendadas a noite e a cerração, As tormentas passadas e o misterio, Abria em flor o Longe, e o Sul siderio 'Splendia sobre as naus da iniciação. Linha severa da longínqua costa - Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta Em árvores onde o Longe nada tinha; Mais perto abre-se a terra em sons e cores: E, no desembarcar, há aves, flores, Onde era só, de longe, a abstracta linha. O sonho é ver as formas invisíveis Da distancia imprecisa, e, com sensíveis Movimentos da esp'rança e da vontade, Buscar na linha fria do horizonte A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte - Os beijos merecidos da Verdade. • 51Cortando vão as naus a larga via Do mar ingente para a pátria amada, Desejando prover-se de água fria, Para a grande viagem prolongada, Quando juntas, com súbita alegria, Houveram vista da ilha namorada, Rompendo pelo céu a mãe formosa De Menónio, suave e deleitosa. 52De longe a Ilha viram fresca e bela, Que Vénus pelas ondas lha levava (Bem como o vento leva branca vela) Para onde a forte armada se enxergava; Que, por que não passassem, sem que nela Tomassem porto, como desejava, Para onde as naus navegam a movia A Acidália, que tudo enfim podia. • 64Nesta frescura tal desembarcavam Já das naus os segundos Argonautas, Onde pela floresta se deixavam Andar as belas Deusas, como incautas. Algumas doces cítaras tocavam, Algumas harpas e sonoras flautas, Outras com os arcos de ouro se fingiam Seguir os animais, que não seguiam.

  40. Mensagem, Horizonte • Comentários: • "teus medos tinham coral, e praias e arvoredos"- o medo do desconhecido é o temor infundado do que se imagina como real. Fernando Pessoa exemplifica dizendo que o medo ancestral do mar era sem fundamento: não havia monstros ou turbilhões que afundassem os navios - quando ultrapassámos o medo só encontrámos praias e arvoredos, flores e aves... • "mistério"- termo muito utilizado por Pessoa na acepção de desconhecido, indescoberto. • "Sul sidéreo"- Sul sideral, isto é, sul celeste - aqui refere-se à constelação Cruzeiro do Sul que indica a direcção do polo austral. • "iniciação"- cerimónia pela qual se começa a explicar a alguém os mistérios de alguma religião ou doutrina. O termo está frequentemente associado aos ritos das sociedades ditas secretas. Aqui a iniciação refere-se ao esclarecimento geográfico. • "resplendia sobre as naus da iniciação"- brilhava (resplandecia) sobre as naus que demandavam o desconhecido para o desvendar. • Este é um dos poemas que demonstram um Pessoa nacionalista místico, que respira um patriotismo de exaltação e de incitamento. Ler: “Elogio do Sonho”, Livro do Desassossego (pág. 257)

  41. INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem 41"E disse: — "Ó gente ousada, mais que quantasNo mundo cometeram grandes cousas,Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,E por trabalhos vãos nunca repousas,Pois os vedados términos quebrantas,E navegar meus longos mares ousas,Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,Nunca arados d'estranho ou próprio lenho:42- "Pois vens ver os segredos escondidosDa natureza e do húmido elemento,A nenhum grande humano concedidosDe nobre ou de imortal merecimento,Ouve os danos de mim, que apercebidosEstão a teu sobejo atrevimento,Por todo o largo mar e pela terra,Que ainda hás de sojugar com dura guerra.43- "Sabe que quantas naus esta viagem Que tu fazes, fizerem de atrevidas, Inimiga terão esta paragemCom ventos e tormentas desmedidas.E da primeira armada que passagemFizer por estas ondas insofridas,Eu farei d'improviso tal castigo,Que seja mor o dano que o perigo. Os Lusíadas, canto V O MOSTRENGO O mostrengo que está no fim do mar Na noite de breu ergueu-se a voar; À roda da nau voou trez vezes, Voou trez vezes a chiar, E disse: «Quem é que ousou entrar Nas minhas cavernas que não desvendo, Meus tectos negros do fim do mundo?» E o homem do leme disse, tremendo: «El-rei D. João Segundo!» «De quem são as velas onde me roço? De quem as quilhas que vejo e ouço?» Disse o mostrengo, e rodou trez vezes, Trez vezes rodou immundo e grosso. «Quem vem poder o que só eu posso, Que moro onde nunca ninguém me visse E escorro os medos do mar sem fundo?» E o homem do leme tremeu, e disse: «El-rei D. João Segundo!» Trez vezes do leme as mãos ergueu, Trez vezes ao leme as reprendeu, E disse no fim de tremer trez vezes: «Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou um povo que quere o mar que é teu; E mais que o mostrengo, que me a alma teme E roda nas trevas do fim do mundo, Manda a vontade, que me ata ao leme, D' El-rei D. João Segundo!» Mensagem, II-4 37"Porém já cinco Sóis eram passados Que dali nos partíramos, cortando Os mares nunca doutrem navegados, Prosperamente os ventos assoprando, Quando uma noite estando descuidados, Na cortadora proa vigiando,Uma nuvem que os ares escurece Sobre nossas cabeças aparece. 39"Não acabava, quando uma figuraSe nos mostra no ar, robusta e válida,De disforme e grandíssima estatura,O rosto carregado, a barba esquálida,Os olhos encovados, e a posturaMedonha e má, e a cor terrena e pálida,Cheios de terra e crespos os cabelos,A boca negra, os dentes amarelos.40"Tão grande era de membros, que bem possoCertificar-te, que este era o segundoDe Rodes estranhíssimo Colosso,Que um dos sete milagres foi do mundo:Com um tom de voz nos fala horrendo e grosso,Que pareceu sair do mar profundo:Arrepiam-se as carnes e o cabeloA mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo.

  42. INTERTEXTUALIDADE: Os Lusíadas vs Mensagem • Comentário: • Este é um dos poemas mais conhecidos de Mensagem. Aquando das suas duas primeiras publicações chamava-se "O Morcego" e referia "o morcego que está no fim do mar..." mas o ser simbólico foi dignificado pela transformação em Mostrengo, na revisão anterior à edição de Mensagem em livro. • - O poema simboliza o medododesconhecido (o “Mostrengo") que os navegadores portugueses tiveram que vencer. • A causa próxima dessa coragem é, segundo Fernando Pessoa, as ordens do rei D. João II. • Existe uma razão para isso: quando Gil Eanes voltou de uma tentativa falhada de dobrar o Cabo Bojador, o Infante mandou-o voltar para tentar novamente e o navegador venceu o temor para não desagradar ao seu bondoso patrono. • Mas com D. João II o trato era diferente, porque ele era o tipo de homem que não admitia que aqueles em quem confiava falhassem - os comandantes preferiam enfrentar todos os dragões do mar à fúria do seu senhor e, por isso, o poema encerra também uma ironia - a natureza da "vontade" que ata o homem do leme à rota é que o temor do seu rei é maior do que o terror do mar ignoto! O MOSTRENGO O Mostrengo que está no fim do mar Na noite de breu ergueu-se a voar; À roda da nau voou três vezes, Voou três vezes a chiar, E disse: «Quem é que ousou entrar Nas minhas cavernas que não desvendo, Meus tectos negros do fim do mundo?» E o homem do leme disse, tremendo: «El-rei D. João Segundo!» «De quem são as velas onde me roço? De quem as quilhas que vejo e ouço?» Disse o Mostrengo, e rodou três vezes, Três vezes rodou imundo e grosso. «Quem vem poder o que só eu posso, Que moro onde nunca ninguém me visse E escorro os medos do mar sem fundo?» E o homem do leme tremeu, e disse: «El-rei D. João Segundo!» Três vezes do leme as mãos ergueu, Três vezes ao leme as repreendeu, E disse no fim de tremer três vezes: «Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou um povo que quer o mar que é teu; E mais que o Mostrengo, que me a alma teme E roda nas trevas do fim do mundo, Manda a vontade, que me ata ao leme, D' El-rei D. João Segundo!»

  43. 65Assim lhe aconselhara a mestra experta; Que andassem pelos campos espalhadas; Que, vista dos barões a presa incerta, Se fizessem primeiro desejadas. Algumas, que na forma descoberta Do belo corpo estavam confiadas, Posta a artificiosa formosura, Nuas lavar-se deixam na água pura, • 68Começam de enxergar subitamente Por entre verdes ramos várias cores, Cores de quem a vista julga e sente Que não eram das rosas ou das flores, Mas da lã fina e seda diferente, Que mais incita a força dos amores, De que se vestem as humanas rosas, Fazendo-se por arte mais formosas. • 70"Sigamos estas Deusas, e vejamos Se fantásticas são, se verdadeiras." Isto dito, velozes mais que gamos, Se lançam a correr pelas ribeiras. Fugindo as Ninfas vão por entre os ramos, Mas, mais industriosas que ligeiras, Pouco e pouco sorrindo e gritos dando, Se deixam ir dos galgos alcançando. • 71De uma os cabelos de ouro o vento leva Correndo, e de outra as fraldas delicadas; Acende-se o desejo, que se ceva Nas alvas carnes súbito mostradas; Uma de indústria cai, e já releva, Com mostras mais macias que indignadas, Que sobre ela, empecendo, também caia Quem a seguiu pela arenosa praia. 72Outros, por outra parte, vão topar Com as Deusas despidas, que se lavam: Elas começam súbito a gritar, Como que assalto tal não esperavam. Umas, fingindo menos estimar A vergonha que a força, se lançavam Nuas por entre o mato, aos olhos dando O que às mãos cobiçosas vão negando. • 83Ó que famintos beijos na floresta, E que mimoso choro que soava! Que afagos tão suaves, que ira honesta, Que em risinhos alegres se tornava! O que mais passam na manhã, e na sesta, Que Vénus com prazeres inflamava, Melhor é experimentá-lo que julgá-lo, Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo. • 84Desta arte enfim conformes já as formosas Ninfas com os seus amados navegantes, Os ornam de capelas deleitosas De louro, e de ouro, e flores abundantes. As mãos alvas lhes davam como esposas; Com palavras formais e estipulantes Se prometem eterna companhia Em vida e morte, de honra e alegria. • 91Não eram senão prémios que reparte Por feitos imortais e soberanos O mundo com os varões, que esforço e arte Divinos os fizeram, sendo humanos. Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte, Eneias e Quirino, e os dois Tebanos, Ceres, Palas e Juno, com Diana, Todos foram de fraca carne humana.

  44. MENSAGEM, 3ª parte “O Encoberto”: Os Símbolos / Os Avisos / Os Tempos • 3ª Epígrafe: “PaxinExcelsis” (Paz nas alturas) - Os ciclos da pátria: - 1ª parte – Portugal que se realiza na Terra - 2ª parte - Portugal que se realiza no Mar - 3ª parte - Portugal que se realiza no Céu - Conclusão: Na economia da obra “Mensagem”, estão presentes, pois, os 4 elementos: 1ª parte – TERRA 2ª parte – ÁGUA 3ª parte – AR e FOGO

  45. MENSAGEM, 3ª parte “O Encoberto” • As três idades da História de Portugal em “Mensagem”: - fundação do reino – 1ª dinastia - expansão ultramarina (descobertas; conquistas; evangelização) – 2ª dinastia - santificação e glorificação do mundo – dinastia a haver. • Nota: - em “Mensagem”, não figuram as 4 dinastias da História de Portugal (a filipina e a bragantina); - o poeta sugere que no final da 2ª dinastia, Portugal morre e é metonimicamente sepultado com D. Sebastião. - Conclusão: a 3ª dinastia surgirá após a ressurreição e o regresso de D. Sebastião. • Na terceira parte: - Anuncia-se a “paz nas alturas” o Quinto Império, a criar sob a égide de Portugal, será essencialmente um império do espírito, realizado sob o signo da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade: o Espírito Santo.

  46. MENSAGEM, 3ª parte “O Encoberto” - “O Encoberto” = o fim do Império (morte); - O Quinto Império (Ressureição que emerge do Nevoeiro)

  47. MENSAGEM, 3ª parte “O Encoberto” D. SEBASTIÃO 'Sperai! Caí no areal e na hora adversa Que Deus concede aos seus Para o intervalo em que esteja a alma imersa Em sonhos que são Deus. Que importa o areal e a morte e a desventura Se com Deus me guardei? É O que eu me sonhei que eterno dura, É Esse que regressarei. Comentários: • "Esperai!"- esperai pelo meu regresso! • "Caí... para o intervalo em que esteja a alma imersa..."- morri e a minha alma repousa na paz de Deus. • "areal"- o campo de Alcácer Quibir. • "com Deus me guardei"- com a Fé me protegi. • "É O que eu me sonhei... "- sonhei-me Imperador (do Quinto Império) e esse sonho sobreviveu à minha morte; é como tal que voltarei.

  48. MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto” – 12º 1 A2 O QUINTO IMPÉRIO Triste de quem vive em casa, Contente com o seu lar, Sem que um sonho, no erguer de asa, Faça até mais rubra a brasa Da lareira a abandonar! Triste de quem é feliz! Vive porque a vida dura. Nada na alma lhe diz Mais que a lição da raiz - Ter por vida a sepultura. Eras sobre eras se somem No tempo que em eras vem. Ser descontente é ser homem. Que as forças cegas se domem Pela visão que a alma tem! E assim, passados os quatro Tempos do ser que sonhou, A terra será teatro Do dia claro, que no atro Da erma noite começou. Grécia, Roma, Cristandade, Europa - os quatro se vão Para onde vai toda a idade. Quem vem viver a verdade Que morreu Dom Sebastião? Comentários: • "Triste de quem..."- a mesma noção já encontrada em O das Quinas de que ser feliz é uma infelicidade porque se vive maquinalmente e não para o sonho ou para os cometimentos. • "a lição da raiz - ter por vida a sepultura"- na própria essência material do homem está, desde a sua origem, a inevitabilidade da morte. • "passados os quatro tempos do ser que sonhou"- referência ao rei assírio Nabucodonosor que, segundo a Bíblia, sonhou com uma estátua de quatro metais que o profeta Daniel interpretou como uma premonição de quatro grandes impérios sucessivos, dos quais o seu era cronologicamente o primeiro. • "que no atro da erma noite começou"- que começou nas trevas da noite deserta. • "Grécia, Roma, Cristandade, Europa"- os quatro impérios que Pessoa pensava ajustarem-se ao sonho do rei assírio. • "vão para onde vai toda a idade"- envelhecem e morrem; desaparecem. • "Quem vem viver a verdade?"- o Quinto Império sonhado por pessoa é uma abstracção de Luz (ou Verdade, ou Cultura - todos os termos são, nesta acepção, equivalentes). A frase deve ser lida "Quem vem viver o Quinto Império?". • "Quem vem viver a verdade que morreu Dom Sebastião?“ - completa, a frase torna-se uma interrogação meramente retórica, a menos que se tome "que" na acepção de "porque" ou "para a qual". Nesse caso a frase torna-se "Quem viver a verdade (do Quinto Império) para a qual D. Sebastião morreu".

  49. MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto” O DESEJADO Onde quer que, entre sombras e dizeres, Jazas, remoto, sente-te sonhado, E ergue-te do fundo de não-seres Para teu novo fado! Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo, Mas já no auge da suprema prova, A alma penitente do teu povo À Eucaristia Nova. Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido, Excalibur do Fim, em jeito tal Que sua Luz ao mundo dividido Revele o Santo Graal! Comentários: • "Onde quer que jazas entre sombras, sente-te sonhado e ergue-te para teu novo fado"- onde quer que a tua alma esteja, pressente que esperamos por ti e renasce para o teu novo destino“. • "Galaaz com pátria"- O Desejado, D.Sebastião que é equiparado a SirGalahad, o cavaleiro virgem do Ciclo da Távola Redonda a quem foi dado conhecer o Santo Graal. A origem de Galahad era desconhecida (não tinha pátria) embora na verdade fosse filho de SirLancelot. • "erguer a alma do teu povo à Eucaristia Nova"- trazer a Portugal a Nova Religião (Pessoa referiu-se várias vezes em outros escritos ao seu sonho de uma nova religião popular de cariz helénico). • "Mestre da Paz"- O Senhor do 5º Império, O Desejado; "Excalibur do Fim"- Símbolo do fim do mundo tal como o conhecemos; arauto da Nova Era (cujo estabelecimento é a "suprema prova"). • "revele o Santo Graal"- no Ciclo da Távola Redonda, o Graal desapareceu como castigo do amor adúltero de Guinevere e Lancelot e com ele foi-se a felicidade do Reino. O retorno do Graal representaria, pela mesma lógica, a união, paz e felicidade de todos os povos do mundo.

  50. MENSAGEM, terceira parte “O Encoberto”, Os Símbolos, quarto AS ILHAS AFORTUNADAS Que voz vem no som das ondas que não é a voz do mar? É a voz de alguém que nos fala, mas que, se escutamos, cala, por ter havido escutar. E só se, meio dormindo, sem saber de ouvir ouvimos, que ela nos diz a esperança a que, como uma criança dormente, a dormir sorrimos. São ilhas afortunadas, são terras sem ter lugar, onde o Rei mora esperando. Mas, se vamos despertando, cala a voz, e há só o mar. 26-03-1934 • NOTAS: • As Ilhas Afortunadas são uma lenda medieval. • Por vezes, o nome é associado a ilhas maravilhosas (por exemplo, com cidades de ouro puro) que teriam existência real e chegavam até a estar indicadas nos mapas náuticos; • Outras vezes, referiam-se declaradamente a ilhas que podiam ser vistas pelos mareantes mas nunca alcançadas. • Provavelmente ,a lenda foi sugerida por fenómenos atmosféricos que provocavam miragens de terras inexistentes no meio do mar. - "onde o Rei mora esperando“: • de novo, Fernando Pessoa faz uma convolução das lendas da Távola Redonda e do Desejado. • Supostamente, depois da batalha de Camlann em que Artur matou Mordred, mas onde foi, ele também, mortalmente ferido, o rei moribundo foi levado para a Ilha de Avalon (uma "ilha afortunada"), onde, em vez de morrer, ficou adormecido para um dia voltar numa hora de suprema necessidade para salvar o seu povo e restaurar o seu reino. • Poema intensamente irónico; • Funciona como introdução a “Os Avisos”, parte II.

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