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ANTES DO BAILE VERDE L gia Fagundes Telles

A ARTE DE CONTAR HIST

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ANTES DO BAILE VERDE L gia Fagundes Telles

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Presentation Transcript


    1. ANTES DO BAILE VERDE Lgia Fagundes Telles

    2. A ARTE DE CONTAR HISTRIAS Segundo Edgar Allan Poe, o contista um ser especial capaz de flagrar em um instante uma oportunidade inventiva. Como bem afirmou Alfredo Bosi, o contista um pescador de momentos singulares cheios de significao. Inventar, de novo: descobrir o que os outros no souberam ver com tanta clareza, no souberam sentir com tanta fora. (1995) Quando est em foco a definio de conto, os tericos pouco se entendem. E at mesmo na tentativa de definir um gnero literrio, eles acabam por compar-lo a outra arte. Julio Cortzar, em seu famoso ensaio Alguns aspectos do conto, ao tentar traduzir a sede de se entender esse estilo de prosa narrativa, assemelha-o a uma beleza plstica: Mas se no tivermos uma idia viva do que o conto, teremos perdido tempo, porque um conto, em ltima anlise, se move nesse plano do homem onde a vida e a expresso escrita dessa vida travam uma batalha fraternal, se me for permitido o termo; e o resultado dessa batalha o prprio conto, uma sntese viva ao mesmo que uma vida sintetizada, algo assim como um tremor de gua dentro de um cristal, uma fugacidade numa permanncia. S com imagens se pode transmitir essa alquimia secreta que explica a profunda ressonncia que um grande conto tem em ns, e que explica tambm por que h to poucos contos verdadeiramente grandes. (CORTZAR, 2006, 150-1) (grifo nosso)

    3. A AUTORA No Brasil, desde Machado de Assis, o conto literrio apresenta autores interessantes, como Monteiro Lobato, Mrio de Andrade, Graciliano Ramos, Guimares Rosa, Clarice Lispector, Lus Vilela e muitos outros que, com grande mestria, deixam em ns uma profunda ressonncia. Dentre esses contistas, destaca-se Lygia Fagundes Telles, considerada um dos principais nomes do conto contemporneo de lngua portuguesa. Sua obra tem merecido grande ateno no apenas da crtica literria brasileira como tambm de outros pases. Seu trabalho compreende, sobretudo, romances e contos, nos quais se percebe um painel urbano que traduz as aflies humanas.

    4. A AUTORA Na numerosa bibliografia sobre a autora, os estudos mais importantes dividem-se entre seus romances: Ciranda de Pedra (1954), Vero no aqurio (1963) e As meninas (1973) e seus livros de contos: Antes do baile verde (1970), Seminrio dos ratos (1977) e A estrutura da bolha de sabo (1991). No entanto, desde as primeiras edies, seus livros de contos tiveram maior repercusso junto ao pblico leitor de lngua portuguesa e, at mesmo, de outras lnguas. Em 1969, Antes do baile verde, concorrendo com 360 manuscritos de 21 pases, recebeu em Cannes o grande prmio internacional feminino para estrangeiros. inquestionvel, portanto, a contribuio de Lygia Fagundes para a histria do conto de lngua portuguesa. A densidade com que realiza a tessitura de seus contos, revestida de uma leveza aparente, desloca o leitor para dentro de seus textos.

    5. A OBRA Analisaremos a obra em seu conjunto, pois esse conjunto que nos dar uma viso do estilo da escritora Lygia Fagundes Telles. Os conflitos que se encerram e se desdobram, recorrentes, nos contos e romances de Lygia Fagundes Telles, prenunciam uma desestruturao maior que vai se instaurar a partir de meados do sculo XX e que perdura at hoje, revelando as profundas crises de identidade que marcam os sujeitos individuais e sociais. No contexto de crise de uma ordem burguesa patriarcal, Lygia capta, registra e representa o drama da construo social da mulher como sujeito e o duplo conflito que da advm e que a divide: o desencontro entre o desejo de construir uma identidade que a defina como sujeito ntegro e a superao das limitaes sociais impostas pelos papis de gnero. A angstia e o sentimento de desamparo do sujeito moderno que a escritora pe em cena - insistentemente desenhado na sua dimenso mais desolada e pattica - compem a idia de solido que percorre toda a obra e lhe d unidade. A questo da impotncia e da solido aprofundada pela condio feminina: nos textos que vamos analisar, fixa-se a angstia da mulher dividida entre as tarefas que lhe so impostas pela sociedade e pelas instituies e a sua necessidade de autodeterminao.

    6. BREVE RESUMO DOS CONTOS Os objetos o primeiro conto e narra o dilogo entre o marido e sua mulher sobre os objetos comprados, os seus valores e suas representaes. Como o peso de papel que s tem funo se est sobre papis e um anjinho que s tem valor quando tocado, pois ganha vida. Neste conto os temas so a loucura e a efemeridade da vida e dos objetos. Verde lagarto amarelo fala sobre dois irmos, o mais velho e o caula Rodolfo. O mais novo sempre foi o preferido da me, e o mais velho vivia a servio do querer dele por interveno da me. O mais velho sempre mais calado e quieto cresceu e vivia sozinho; a nica coisa que sentia ter como sua era a escrita, ele era escritor. J Rodolfo era casado, animado. Foi numa visita que fez ao irmo que lhe declarou tambm ter escrito um romance, roubando assim a nica coisa pertencente ao irmo mais velho. Apenas um saxofone a histria de uma mulher velha e rica. Tinha um homem rico que a sustentava, um jovem que lhe satisfazia e um professor espiritual com quem dormia. Possua jias, tapetes e uma manso, no entanto vivia infeliz. Vivia na saudade do seu grande amor, um saxofonista que se dedicara a ela completamente, ela era a msica dele. Ele tocava com paixo o saxofone e assim mantinha a mulher. Ele comete suicdio, e ela permanece com a lembrana. Helga fala de um jovem do sul do Brasil que vivia em frias na Alemanha, logo assumindo uma vida alem. Em uma das frias, passou pela guerra, no seria mais aceito no Brasil. Vivia ali de uma espcie de trfico de alimentos. Foi l que conheceu Helga, uma alem por quem se apaixonou, ela tinha uma cara perna ortopdica. Chegou a noivar, o pai dela props que iniciassem o trfico de penicilina, mas faltava o investimento inicial. Foi assim que ele casado com Helga roubou-lhe a perna ortopdica e desapareceu, voltando, tempos depois, rico para o Brasil.

    7. BREVE RESUMO DOS CONTOS O moo do saxofone narra a histria de um chofer de caminho que se instalou em uma penso. Nela viviam inmeros anes e uma mulher com seu marido que era saxofonista, um homem trado e conformado. Na penso, havia quartos separados, quando a esposa estava com outro homem o marido tocava o saxofone de uma forma deprimente, isso incomodava demais o chofer. Quando ele se encontrou com a mulher do saxofonista, marcaram um encontro. Ela explicou qual era a porta, no entanto quando ele chegou teve com o saxofonista, conformado como era, indicou a direo e, ao ser questionado do porqu no fazia nada, afirmou que tocava o saxofone. Com isso, o chofer parte da penso. Antes do baile verde narra a preparao da jovem Tatisa para o carnaval. Com ajuda da sua empregada pregavam, nos ltimos minutos, as lantejoulas na saia da moa, Neste momento a empregada se inquietava, pois iria se atrasar para o encontro com seu homem e tambm discutiam o fato de que o pai de Tatisa vivia seus ltimos minutos. Ainda antes de sair, a menina duvidosa da proximidade da morte do pai, desejava ir ao baile. Assim, as duas saem e deixam o pai de Tatisa desfalecendo. A caada fala de um homem que, visitando uma loja de antiguidades, encontra uma tapearia velha qual sugere alguma lembrana que no reconhece. Torna-se preso imagem e se sente como personagem da caada que ela ilustrava. Passou a ir loja com freqncia para observar a pea e, na frente dela, tem um ataque cardaco. A chave fala de um casamento saturado, em que Tom e sua mulher se arrumam para um jantar, enquanto ele, insatisfeito, reclama e pensa na inutilidade desses jantares e no quanto gostaria de ficar ali dormindo. Meia noite em ponto em Xangai narra a noite de uma cantora que alcana o momento de brilho de sua carreira em um concerto na China. Recebe em casa, depois do show, seu empresrio e conversam sobre a carreira dela e sobre a desumanidade dos empregados dali. Porm, depois que o empresrio se vai, a cantora junta a seu cachorrinho e se aterrorizam com a escurido e com a suposta presena do empregado no aposento.

    8. BREVE RESUMO DOS CONTOS O jardim selvagem fala sobre o chamado Tio Ed, casado com Daniela que era considerada um jardim selvagem. A princpio, em confidncia com a sobrinha, a Tia Pombinha, irm de Ed, desaprova o casamento, dizendo que Daniela vive constantemente com uma luva em uma das mos a qual ningum v. No entanto, depois de conhec-la, considera-a um amor. Depois de um tempo, a empregada da casa conta sobrinha de Ed que viu Daniela matar o cachorro da casa com um tiro na cabea, essa afirmava que s lhe poupou da dor que a doena lhe causava. Por isso, a empregada havia pedido at demisso. Dias depois, chegou a notcia que Ed estava doente e, mais tarde, que ele se matara com um tiro na cabea. Natal na barca narra o dilogo de uma senhora com uma mulher em uma barca que cruza o rio no dia de natal. A mulher trs no colo o filho doente a quem est levando ao mdico, durante a viagem ela conta a senhora de como perdeu o filho mais novo quando ele pulou do muro com a inteno de voar e como o marido a abandonou mandando uma carta depois. A senhora, sem saber o que dizer, arruma a manta do beb e percebe que ele estava morto. .Neste ponto a embarcao chega, e ela se precipita para descer, no querendo ver a dor da mulher. Porm, assim que descem, o beb acorda, e a senhora v a me e a criana partirem.

    9. BREVE RESUMO DOS CONTOS A janela narra a conversa entre um homem e uma mulher. O homem chega ao quarto da mulher, se aproxima da janela dizendo que seu filho morrera ali e que, na janela, havia uma roseira que seu filho amava. A mulher o questiona, mas ele pouco responde, preso lembrana do filho. A mulher ento lhe oferece um refresco ao que ele aceita; mas, quando ela retorna ao quarto, vem acompanhada de mdicos, ele lhe pergunta o motivo e, em uma camisa de fora, os mdicos o levam embora. Um ch bem forte e trs xcaras fala da espera de uma mulher, enquanto observa uma nova borboleta em uma rosa, por sua convidada ao ch, uma jovem de 18 anos que trabalha com seu marido. A empregada que est com ela pergunta se tal moa a que liga atrs do patro, e ela afirma que sim. Depois, limpando as lgrimas, a mulher caminha at o porto para receber a jovem que vem chegando, enquanto a empregada vai buscar o ch e trs xcaras, caso o patro venha tambm.

    10. BREVE RESUMO DOS CONTOS A ceia trata da despedida de dois amantes em um restaurante. A mulher desesperada e apaixonada, tristemente, suplica para que o homem a visite, mas ele afirma que acabou. No entanto, diz que foi bom durante todo um tempo e no quer romper como inimigos. Ela assume um ar sarcstico e o questiona sobre a noiva, depois lhe pede que v embora, partindo sozinha. Venha ver o pr-do-sol fala da histria de um casal que depois de um tempo que j haviam rompido o relacionamento, devido s splicas do homem se reencontram. Ricardo marca um encontro no cemitrio, Raquel vai relutante e assim conversando ele a conduz at o jazigo que dizia ser de sua famlia. Ele a leva at l a fim de mostrar, no tmulo, a fotografia da sua prima que tinha olhos parecidssimos com os de Raquel. Quando entra no jazigo, Raquel v que a data da morte da moa era muito antiga para ter sido prima de Ricardo, mas a esse ponto ele j havia fechado o jazigo, trancou at a fechadura e depois foi embora, enquanto crianas brincavam na rua. Eu era mudo e s fala sobre um homem oprimido pelo casamento que o afastou dos amigos. A mulher, criada na perfeita educao das aparncias, tambm passa isso para a filha Gisela. Ele abandonara o jornalismo e se tornara scio do sogro no ramo de mquinas agrcolas apenas para manter o padro que Fernanda exigia. Prolas fala sobre Toms e Lavnia, que so casados. Ela se prepara para uma reunio, e ele sentado, observando-a se arrumar, j imagina o que acontecer na reunio. V a mulher com Roberto na sacada, prximos, sem palavras, mas sabendo que se amam. Ele fica incentivando-a a ir. Quando ela procura o colar de prolas, para finalmente ir para a reunio, no o encontra. Ele o escondera para diminuir a realidade do que aconteceria na sacada; mas, quando ela estava na calada, ele diz achar o colar e o entrega Lavnia.

    11. BREVE RESUMO DOS CONTOS Menino narra a ida do menino e sua me ao cinema. Enquanto caminham ele vai orgulhoso da beleza da me. Quando chegam ao cinema, ela, que caminhara apressada na rua, demora-se na porta do cinema e manda o menino comprar doces. Finalmente, entram na sala e passam por muitos acentos com vaga para duas pessoas at que chegam a um com lugar para trs. O filme comea e o menino reclama da enorme cabea na sua frente, ele tenta mudar de lugar, mas a me no deixa, at que se senta na cadeira vaga um homem. Depois de alguns momentos, a cabea que o atrapalhava sai do acento e nessa hora ele v a me de mos dadas ao estranho do lado. Da para frente, a imagem da mo branca da me e da mo morena do homem o perturba. Pouco antes do fim do filme, o homem parte. Ele e a me vo embora, ela muito alegre. Chegando a casa, encontram o pai, e o menino ento chora, demonstrando seu sofrimentos , decepcionado com a me.

    12. ANLISE DOS CONTOS Narrativas turbulentas, de dilogos cuidadosamente esculpidos e marcadas por finais em aberto, como no conto "Natal na Barca", em que uma mulher atravessa o rio com o filho no colo, sem que o leitor saiba se a criana est mesmo viva. Os finais das histrias de Lygia provocam o imaginrio do leitor. H sempre uma cartada, uma surpresa, um susto.

    13. ANLISE DOS CONTOS Um ch bem forte e trs xcaras aborda, num momento de agudo mal-estar social, o tema da impotncia da mulher num quadro de crise dos valores patriarcais e emergncia do feminino. Na dolorosa situao da mulher que se v envelhecer, restrita ao espao domstico, desenha-se o drama de Maria Camila, protagonista de Um ch bem forte e trs xcaras (1965). Maria Camila espera, apenas. No restrito mundo de uma domesticidade alienante, entre a conversa com a empregada e a espera da amiga do marido (provvel amante) que vem para o ch, Maria Camila alcana a sbita e aguda conscincia de sua impotncia. Seu casamento a faz prisioneira de um sufocante espao familiar e social, o mundo da privacidade recalcada e at mrbida da mulher. No dilogo entre as duas mulheres, que sustenta a trama, vai-se desvendando o sentido daquela espera. Questiona- se um modelo familiar patriarcal desgastado, em que aos valores conservadores que reproduzem uma repressora socializao dos sujeitos se aliam as difceis relaes de gnero. Em Um ch bem forte e trs xcaras, uma cena banal vai se adensando e ganhando contornos imprevisveis, e ao, mnima, vo se entrelaando detalhes significativos. Na banalidade da conversa entre Maria Camila e Matilde, a empregada, se insinua, sbita e displicentemente, o tema pesado de que vo tratar de modo alusivo. E quase com suavidade que o drama se expe na aparentemente ociosa conversa que mantm. O ttulo do conto j insinua um tringulo amoroso que confirma a cristalizao de um discurso ideolgico que, construdo nas trs primeiras dcadas do sculo XX, iria vigorar por muitos anos. O modelo conjugal da famlia burguesa que aqui se representa baseia-se numa assimetria de poder entre os sexos e, portanto, na diferena dos privilgios usufrudos. As mudanas efetivas que se produziram, a partir do movimento feminista, no papel desempenhado pela mulher na sociedade, no apagaram, contudo, padres comportamentais da velha ordem de dominao patriarcal.

    14. ANLISE DOS CONTOS A caada narrado em 3 pessoa, narrador-onisciente, porm, considerando a terminologia de Grard Genette, percebe-se que ele se caracteriza como extradiegtico com relao ao nvel narrativo e heterodiegtico quanto sua relao com a histria, isto , a voz que narra est ausente: A loja de antiguidades tinha o cheiro de uma arca de sacristia com seus passos embolorados e livros comidos de traa. Com as pontas dos dedos, o homem tocou numa pilha de quadros. relevante perceber que o narrador parte de uma descrio sinestsica, haja vista o cruzamento de sensaes: sente-se o cheiro e vem-se os livros comidos de raa, o que gera tambm um cruzamento entre artes. O ambiente, uma loja de antiguidades, um espao pequeno, apresentado ao leitor por meio de sumrios, isto , o narrador, em um nvel extradiegtico, expe um determinado cenrio, descrevendo o estado em que este se encontra. O processo descritivo parte do geral para o particular, assemelhando-se ao trabalho de um cinegrafista que nos oferece uma viso panormica do local e, logo depois, aproxima-se, chegando a focalizar o vo e o pouso de uma mariposa sobre as mos decepadas de uma imagem de So Francisco. Essa informao adquirir sentido e valor apenas ao final da narrativa, reforando a teoria da unidade de efeito de Poe, segundo a qual cada elemento deve ser escolhido objetivando o efeito pretendido: A loja de antiguidades tinha o cheiro de uma arca de sacristia com seus anos embolorados e livros comidos de traa. Com as pontas dos dedos, o homem tocou numa pilha de quadros. Uma mariposa levantou vo e foi chocar-se contra uma imagem de mos decepadas.

    15. ANLISE DOS CONTOS Ainda em A caada, a histria aparente, narrada na superfcie, inicia-se com a descrio da j referida loja de antiguidades e, nela, um homem, cujo nome no revelado, observando a cena pintada em uma tapearia antiga pregada na parede do fundo da loja. Percebe-se que no era aquela a primeira vez que ele contemplava o tapete; pois, em suas falas, comenta diferenas de nitidez em relao a uma observao feita no dia anterior: O homem estendeu a mo at a tapearia, mas no chegou a toc-la. ? Parece que hoje est mais ntida ... (...) As cores esto mais vivas. A senhora passou alguma coisa nela? (...) ? Parece que hoje tudo est mais prximo ? disse o homem em voz baixa ? como se ... Mas no est diferente? (...) ? Ontem no se podia ver se ele tinha ou no disparado a seta... Os comentrios so dirigidos a uma velha, tambm annima, possivelmente proprietria da loja. O narrador no nos apresenta descries fsicas das nicas duas personagens, mas registra seus gestos, comportamentos, sensaes, sentimentos, bem como nos relata suas falas em discurso direto, o que nos permite conhec-los melhor.

    16. ANLISE DOS CONTOS Em A caada, o clima de mistrio e suspense acentuado pela presena do fantstico, gnero responsvel pelo estranhamento, pela hesitao do leitor em aceitar ou no os acontecimentos. No incio do conto, so focalizadas a imagem de So Francisco e a tapearia, que, de acordo com Frye, so variaes da imagem do espelho, que pode marcar a passagem entre o real e o fantstico. A tapearia , portanto, o portal por onde se adentra em outro mundo, onde tudo possvel, semelhante ao espelho de Alice, em Alice no pas das maravilhas. Mais interessante ainda observar a cumplicidade entre o caador pintado na cena do tapete e o homem que a observa, pois a seta desferida por aquele somente perde sua imobilidade quando o protagonista consegue reviver os fatos do passado com lucidez. Solta um grito e mergulha-se numa touceira. V-se como caa, grita; o grito a senha. A seta vara a folhagem. A dor. A morte.

    17. ANLISE DOS CONTOS As situaes urdidas por Lygia Fagundes Telles so pontilhadas por enigmas, ao mesmo tempo em que so retratos do cotidiano e exploram as manifestaes do inconsciente, numa perspectiva intimista. Isto se percebe, sobretudo, pelo uso do discurso indireto livre, em que as vozes da narradora e das personagens se imbricam, fundem-se, em vrios momentos, dando espao para manifestaes mais ntimas, em que o freio da moral rechaado, numa luta interna entre estar vivo e viver, como pode-se perceber em Antes do baile verde. Nele, a protagonista luta consigo mesma. A dvida entre cuidar do pai que agoniza ou ir divertir-se num baile de carnaval mergulho no eu. Pode o pai moribundo impedi-la de viver? Pergunta que inquieta e atemoriza a jovem de verde. A morte, sempre ali, a rondar as personagens lygianas, mesmo quando estas amam. Amor e morte so reflexos de um mesmo espelho. Amar no traz a possibilidade do encontro, da unio esperada pelos amantes. Quando esta ocorre, s fonte de frustrao e irrealizao. Nesta perspectiva, a busca do encontro amoroso, enquanto pleno fuso de corpo e esprito tambm no encontra esteio no universo criado por Lygia. Suas personagens soobram incompletas, mutiladas, sozinhas. O amor buscado revela-se fonte de priso e de sofrimento.

    18. ANLISE DOS CONTOS O amor doente de Ed por Daniela, no conto O jardim selvagem. A mulher, apresentada atravs de comentrios da tia Pombinha ou de Conceio, misteriosa. Apartada do resto da famlia, com sua mo direita sempre encoberta por uma luva, mulher de crises nervosas; mulher que no aceita a dissonncia. Como revela, ao assassinar o co que estava doente. Ed, no entanto, mostra-se prisioneiro desta mulher, amarrado que est pelas cordas servis do amor e pelo fascnio que Daniela exerce sobre ele. No toa que a define como um jardim selvagem: inspito, de impossvel deciframento, mas, ao mesmo tempo, atraente. Na verdade, a mulher fatal, Daniela, motivo de comentrio das demais mulheres da famlia. Fica claro nessa atitude o olhar feminino da escritora que, no s neste conto, capta as significaes dos gestos femininos com muita sensibilidade. Daniela ter feito com o marido o mesmo que fez com o co? O pretendido suicdio no ter sido um assassinato? Ou quem sabe um gesto de morte assistida? Fica a cargo do leitor definir. O clima de suspense envolve a narrativa por vrios aspectos, mas principalmente pela descrio da protagonista de hbitos to extravagantes. O simblico neste conto est, principalmente no ttulo, Jardim Selvagem que empresta toda a conotao de mistrio e, ao mesmo tempo, originalidade figura feminina em questo.

    19. ANLISE DOS CONTOS Objetos um conto narrado em 3 pessoa que aborda a demncia, a enfermidade, a loucura. O relacionamento entre Miguel e Lorena assombrado pelo desequilbrio do marido que, ao deixar o apartamento com uma adaga, sugere suicdio. A cena cotidiana. A mulher faz um colar, e Miguel a questiona sobre a utilidade dos objetos. Ele tratado de forma maternal pela esposa. As reflexes evocadas pelas falas de Miguel levam o leitor reflexo sobre a efemeridade da vida. Metaforicamente, Miguel sugere uma indagao que permeia toda a narrativa: qual seria a finalidade de permanecer vivo, se caminhava para a perda total da razo? Na verdade, a durabilidade dos objetos evocam a sensao terminal da existncia. O ato de tirar a prpria vida seria uma maneira de fugir de um destino trgico de inutilidade e inconscincia. O simblico no conto est presente na figura do ano, que ele pensa ver e que evoca a infncia; nos pequenos objetos que analisa, como o peso de papel, algo que sustenta e segura; no anjo, que sugere proteo e, na adaga, que nos remete morte.

    20. ANLISE DOS CONTOS A Janela uma narrativa de curta durao cronolgica, mas de muita sugesto psicolgica. A narrativa integra os objetos simblicos descritos na penumbra do quarto, como uma bonequinha vestida de bailarina, o que sugere percepo infantilizada da prpria existncia, o que muito comum em se tratando de uma prostituta. Essas mulheres, por terem uma vida promscua, muitas vezes vazias de significao, geralmente, apresentam caractersticas infantis, de menina desprotegida. O prprio protagonista carrega uma caixinha de injeo vazia. Tal objeto remete-nos, imediatamente, ao patolgico, doena. H um disco tocando no quarto ao lado e, quando a mulher, interlocutora do protagonista, pensa em reclamar, o senhor diz: todos os botes esto em ns mesmos. O estranhamento da cena acontece tanto para a mulher que dialoga com a personagem, quanto para o leitor que, avidamente, procura o sentido de tal narrativa. Tal recurso muito utilizado pela autora que consegue em seus contos criar um clima de mistrio, de suspense. O eplogo, em aberto, deixa-nos a indagao: que obsesso seria esta em relao morte do filho? Culpa talvez, sentimento que todo pai e me, os quais perdem prematuramente um filho, sentem. Indagam-se por qu? A mesma pergunta que fica no ar aps a sada forada do protagonista de cena. Quem agora permanece com a reflexo sobre a efemeridade da vida e o porqu disso a prostituta.

    21. ANLISE DOS CONTOS Helga e Meia Noite em Xangai so contos que destacam mulheres estrangeiras: Helga e a me de Paul Karsten que sai de Blumenau e vai passar frias na Alemanha, onde faz um curso e se envolve com a juventude hitlerista, durante a 2 Guerra Mundial. O Personagem protagonista faz um relato a seu analista que v em seus lapsos de memria um sintoma de necessidade de autopunio. Paul se relaciona com Helga, alem bonita que usava uma perna ortopdica. Ele era um comerciante de objetos e alimentos e acaba por se casar com Helga. Aps o casamento, rouba a perna mecnica que lhe daria um bom lucro para iniciar um negcio. Paul, ento, torna-se Paulo, cidado exemplar. Segundo o analista, para expiar seu crime do passado, ele necessita de relatar tais episdios, em forma de confisso, para que, pelas palavras, a dor da culpa desaparea.

    22. ANLISE DOS CONTOS Meia Noite em Xangai, ambientado na China, narrado em 3 pessoa, em um hotel onde uma cantora de pera banha-se aps o espetculo. Ela recebe a visita de Stevenson, empresrio ingls, provavelmente. A mulher fica nua diante de um empregado chins, Wang. Esse fato demonstra o sentimento de superioridade dos ocidentais para com os orientais. Wang como um objeto ou um animal. O ingls comenta que todos os chineses so viciados em pio, o que era uma sorte, pois: imagine essa gente acordada... Nesse conto trabalha-se, tambm, a questo da efemeridade na perfeio. O desempenho perfeito da cantora naquela noite aludido pelo empresrio. H, ainda, a frase da cantora ao ser convidada para almoar: Se acordar at a hora do almoo.... O se pode estar ligado ao nome da cano romntica: Du bist die Ruth ( Descanse em paz ), de Schbert e Rckert- que sugere um desfecho fatal. No conto citado o nome de uma cantora real, Lotte Lehmam, que interpretava muito bem tal cano. O conto termina em aberto com a cantora de olhos arregalados na poltrona. Ter sido assassinada por Wang?

    23. ANLISE CONCLUSIVA Os contos de Lgia, com algumas excees, do lugar esperana felicidade humana. As reflexes giram em torno da necessidade de ser feliz nos relacionamentos, nas escolhas, nos dramas, na prpria existncia. Paradoxalmente, em sua maioria, os personagens sofrem angstia, decepes, medos, desesperos, esto ss. Vingam-se, aceitam, alienam-se, mortificam-se, refletem, definem, tomam decises, fazem e desfazem. Tudo isso sempre com a mesma inteno; encontrar-se, ser feliz, ter esperana, descobrir-se, perdoar-se e aos outros. As mulheres desfilam nas narrativas: dominadas e dominadoras, felizes e infelizes, jovens e maduras, acompanhadas ou sozinhas, em destaque ou de forma secundria. Porm quase sempre questionadoras, intrigadas com o viver e o ser. As frgeis relaes amorosas prenunciam decises, decepes, escolhas e sofrimento. Sempre em busca de realizao.

    24. ANLISE CONCLUSIVA Os smbolos sempre presentes, ora nos objetos, ora na cores, principalmente o verde que toma diversos matizes. Presente na cor da bolsa de Lorena em Objetos; no nome do perfume Vent Verd (Vento Verde) da me que vai ao cinema com o filho que, em verdade, vai se encontrar com o amante; na fantasia de Tatisa que se prepara para o Baile Verde; no verde dos ttulos: Verde Lagarto Amarelo e Jardim Selvagem, implcito no vocbulo jardim e, na tapearia, do conto A caada. A cor surge em diferentes ambientes, em situaes diversas. Em um momento, sugere desespero como em Antes do Baile Verde, em outro, inveja, cimes como em Verde Lagarto amarelo, j no conto Menino sugere traio, seduo. Como vimos, Lgia faz uso de recursos variados para criar o clima propcio reflexo. Utiliza os objetos de forma singular, quase que fala por meio deles, sugerindo, criando conotaes e sentidos. A obra de Lgia no pode ser apenas lida, mas sim sentida, percebida, pensada. A complexidade da tessitura do texto esconde os verdadeiros significados que precisam ser descobertos pelo leitor atento. Os textos dessa contista, como a redonda msica do saxofone, um globo de vidro, bolhas de sabo ou bagos de uva esto repletos de uma fecunda semente e, com ela, busca-se o brotar de uma luz sobre a inevitvel solido humana.

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