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Um novo mundo, um novo Direito, um novo juiz. Congresso de Magistrados da Bahia Salvador – agosto de 2007 Eugênio Facchini Neto. 1. O Direito tradicional (séc. XIX). Fundado em regras, supostamente claras. Reino das dicotomias:
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Um novo mundo, um novo Direito, um novo juiz. • Congresso de Magistrados da Bahia • Salvador – agosto de 2007 • Eugênio Facchini Neto
1. O Direito tradicional (séc. XIX) • Fundado em regras, supostamente claras. • Reino das dicotomias: • Lícito X ilícito; válido X inválido ; dir.público X dir. privado • Valor máximo: certeza jurídica (segurança: mas não se pergunta de quem?) • Patrimonialismo e individualismo (ausência de enfoque social): • Culto da legalidade: seu oráculo é o legislador • Fonte do Direito: CÓDIGOS (completos, claros e coerentes – ideologia dos 3 c’s) • Função constitucional dos Códigos Civis (propriedade absoluta e liberdade contratual) - Benjamin Constant e a “liberdade dos modernos”
2. A Justiça tradicional – Estado liberal • Ênfase na separação de poderes; • Juiz “boca da lei” (bouche de la loi) • Silogismo judicial – aplicação mecânica – lógica formal • Compartimentalização do saber: os magistrados precisam conhecer apenas a Ciência Jurídica (= as leis) • Irrelevância dos conhecimentos econômicos, sociológicos, filosóficos, antropológicos, gerenciais e de administração. Não há visão interdisciplinar. • Irresponsabilidade ética pelos resultados da decisão. • Ausência de visão conseqüencialista.
Juiz controlador da atividade privada: - proteção dos direitos privados (esfera do lícito) – jurisdição civil - repressão dos desvios de conduta (esfera do ilícito) – jurisdição penal • Deferência à legitimidade representativa dos demais poderes: - presunção de constitucionalidade das leis - deferência à discricionariedade administrativa
3. A crise jurídica decorrente do advento do Estado democrático de Direito • Estado assume tarefas de promoção social • Estado intervém na economia e na sociedade (Constituições dirigentes) • Agigantamento dos poderes Legislativo e Executivo • Overload legislativo (crise regulatória) • Transferência de poder normativo: • para Executivo (França) • para agências reguladoras (EUA, Brasil ....) • Legal implementation
Relevância jurídica dos dir. prestacionais (de 2ª geração/dimensão), que obrigam a um fazer, eventualmente exigível em juízo. • Relevância da Economia e do Mercado, e de suas lógicas peculiares: concentração de renda e busca do lucro. • Neutralização: importância dos direitos humanos (fundamentais).
Transformação do modelo normativo: a responsabilidade pelo preenchimento do conteúdo da norma (shaping the rule) passa do legislador para o intérprete e aplicador: • Regras • Princípios • Postulados (Humberto Ávila – razoabilidade, proporcionalidade) • Cláusulas gerais • Valores • Programas de ação • Normas-objetivo; normas-quadro • Direito promocional
Crise da teoria das fontes: pluralismo jurídico • Bobbio: aplicar a lei? Sim. Mas qual “lei”?; • poder negocial (contratos comerciais: franchising, leasing, factoring, know-how); • força normativa da Constituição • Novos valores: • dignidade da pessoa humana (fundamento da República: art. 1º, III, da CF), • repersonalização, despatrimonialização, • solidariedade (art. 3º, I, da CF: Constituem objetivos permanentes da Rep.: construir uma sociedade livre, justa e solidária); • igualdade substancial (art. 3º, III: reduzir as desigualdades sociais...)
4. O Poder Judiciário, no Estado democrático de direito. • “Global Expansion of Judicial Power” • Agigantamento do PJ, para manter o equilíbrio entre os poderes e em face do crescimento do poder econômico • O PJ passa a controlar também os poderes públicos • Judicialização da política • Politização da justiça • Ênfase nos “freios e contrapesos” (checks and balances”) • Conflitos entre poderes é fisiológico (e não patológico), em função da defesa dos direitos fundamentais
Controle de constitucionalidade; interpretação conforme a constituição • Controle dos atos administrativos (razoabilidade, moralidade) • PJ como guardião da constituição: • Valor maior: dignidade da pessoa humana; • protetor das minorias e das maiorias silenciosas. • Eficácia dos dir. fundamentais nas relações privadas • Constituição como “ordem objetiva de valores” (BvG) • Percepção da dimensão social (e não apenas individual) dos conflitos (ex.: consumidor) • Necessidade de uma visão interdisciplinar de mundo
Urgente necessidade de desenvolver capacidade de planejamento a longo prazo; • Maior uso de estatísticas (só se consegue entender algo quando se consegue mensurá-lo); • Idéia da “presentificação”: processo pelo qual se visa antecipar todo o futuro para o presente, através do planejamento, estabelecendo a vinculação total do futuro àquilo que é planejado no presente. • Maior democracia interna na estrutura do PJ
5. O novo juiz • 5.1. Juiz e processo: • Juiz mais ativo e criativo, aberto a inovações; • Mediador de conflitos; • Ênfase na conciliação; • Prestigiar ações coletivas; • Capacidade gerencial; empowerment • Menor aderência ao formalismo e maior comprometimento com o direito material em jogo; • Compromisso com a efetividade das decisões; • Capacidade de se indignar; • Compromisso com os direitos fundamentais
Bobbio (Elogio da Serenidade) distingue as virtudes fortes das virtudes fracas. • O juiz sempre foi incentivado a desenvolver as virtudes fracas: humildade, modéstia, moderação, recato, castidade, continência, sobriedade, temperança, simplicidade, inocência. • São boas virtudes. Mas hoje a sociedade necessita de juízes que cultivem as virtudes fortes: coragem, firmeza, ousadia, audácia, descortino, criatividade, generosidade. • Ausência de defeitos não significa virtude. • Juiz resolutor de conflitos: • Decisão justa (justiça do caso concreto) • Compatibilidade com o sistema • Busca do consenso – justificação
5.2. Juiz e sociedade: • O juiz não é um “homem só”; • Deve envolver-se com a sociedade e não encastelar-se; • Maior protagonismo (protos – o primeiro – agonistés – lutador, atleta) (não confundir com a tentação midiática...) • Deve vivenciar e sentir sua sociedade – valor da literatura regional; • Independência do juiz: independência externa, interna e psicológica • Importância da sociologia e da axiologia (valores). • Visão prospectiva (atenção às conseqüências das decisões). • Vinculação ao horizonte traçado pela constituição – constituição como dever-ser (somos garantes não só daquilo que é, mas tb. daquilo que deve-ser; e às vezes daquilo que deve-ser contra aquilo que é);
5.3. Juiz e Direito: • Juiz como atualizador preferencial do sistema jurídico • Abandono do positivismo formalista e legalista; • Força normativa dos princípios • Permanente cuidado com o preparo técnico – diálogo com a doutrina (em função da relevância das cláusulas gerais e dos princípios. Ex.: boa-fé objetiva; função social do contrato; constitucionalização do direito civil); • Rápida obsolescência do conhecimento: “a maioria das competências adquiridas por uma pessoa no início de seu percurso profissional estarão obsoletas no fim de sua carreira” – Necessidade de formação continuada dos magistrados; • Talvez se possa julgar 80% dos casos apenas com bom senso. Mas e os outros 20%?
6. Conclusões: • Histórias antigas..... Juiz antigo e sua aposentadoria • Histórias recentes .... O juiz e o psiquiatra • Pode o juiz contribuir para a edificação de uma sociedade com maior justiça social, mais solidariedade, mais igualdade substancial, maior dignidade para todos? • Seria um sonho? (Talvez. Mas como vamos realizá-lo, se não o tivermos sonhado antes?) • Seria uma coisa inatingível? (Talvez. Mas isso não é motivo para não desejá-la. Que tristes seriam os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas – Mário Quintana)
Seria uma utopia? • Talvez. Mas isso faz lembrar a imagem evocada por Eduardo Galeano, ao comparar as utopias com o horizonte... • “As utopias são como o horizonte.... Eu ando um passo, e o horizonte recua um passo. Eu avanço dez passos, e o horizonte retrocede dez passos. Eu marcho um quilômetro e o horizonte se afasta um quilômetro. Eu subo a colina e o horizonte se esconde atrás da colina seguinte. Mas então, para que servem as utopias? SERVEM PARA ISSO: PARA NOS FAZER CAMINHAR.”