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Machado de Assis. Memórias Póstumas de Brás Cubas Machado de Assis. Memórias póstumas de Brás Cubas.
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Memórias póstumas de Brás Cubas • Publicadas em capítulos na Revista Brasileira, de 15 de março a 15 de dezembro de 1880 (Em livro = 1881), as Memórias póstumas de Brás Cubas revelam uma narrativa inovadora, revolucionária, que, através de seu protagonista- narrador “defunto-autor”, promovia a “viravolta machadiana.”
A “viravolta machadiana” A perspectiva universal e filosófica
A dedicatória em forma de epitáfio (inscrição tumular) Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias Póstumas
A dedicatória • Chocante ou irônica pouco importa... Fugindo ao senso comum, Brás Cubas dedica suas memórias aos vermes, como se não houvesse alguém digno de lembrança, deixando em evidência as “tintas” de seu pessimismo, através de sua pena carregada de humor.
A dedicatória • O verbo “roeu” (no passado), significa que Brás Cubas não é, materialmente, mais nada, não deve satisfações a ninguém. É livre, soberano e absoluto para pintar a vida, as pessoas, a si próprio: “... estas são as memórias de um finado, que pintou a si e aos outros, conforme lhe pareceu melhor e mais certo.”
Um autor defunto ou um defunto autor? • Do túmulo (campa) um “defunto autor” examina de forma memorialística sua vida. Apesar de morto, nada comenta sobre sua existência além-túmulo. Está interessado apenas em recordar o passado e submetê-lo à análise e ao julgamento definitivo de seu significado.
Por que um “defunto autor”? • A) Símbolo do fim da concepção romântica. • B) Desafio do escritor frente às propostas do Real-Naturalismo, já que uma fala vinda do túmulo contrariava os princípios de racionalidade e verossimilhança.
Por que um “defunto autor”? • C) A idéia machadiana de que só um morto poderia apresentar os fatos de sua existência sem escrúpulos, sem fantasias e sem temor da opinião pública.
Por que um “defunto autor”? • Enfim: Só um morto – por não ter nada a perder – revelaria seus intuitos mesquinhos, seu egoísmo, sua impotência para a vida prática e sua desesperada sede de glória.
Por que um “defunto autor”? • Só alguém que ultrapassasse o limite fatal seria capaz de apontar a verdade definitiva de sua própria condição.
O prólogo: Aoleitor • Referências: • Stendhal = (pseudônimo de Henri Beyle) escritor francês romântico que abordou, em seus romances, paixões violentas e perfis irônicos e psicológicos de seus personagens (Obra mais famosa = O vermelho e o negro – Sua obra de “cem leitores” = Do Amor)
Prólogo: Aoleitor • Recepção da obra: • “... O que não admira, nem provavelmente consternará, é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinqüenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco... Fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.”
Prólogo: Ao leitor • Referências: • Sterne = escritor inglês • Xavier de Maistre = escritor francês • Ambos de estilo digressivo e irônico (autores admirados por Machado) • “Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia” = Visão irônica e pessimista.
Prólogo: Ao leitor • Diálogo com o leitor = sugestão = que o leitor mude sua postura e prefira a reflexão do que a anedota, ou... • “... se te agradar , fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.”
Ironia ao leitor • O leitor também é parte, além dos personagens e seus atos, da “galhofa” do autor.
Capítulo LXXI(71) O senão do livro “Começo a arrepender-me deste livro... é enfadonho, cheira a sepulcro... porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...”
A estrutura narrativa • O diálogo constante com o leitor e as interrupções na narrativa para digressões, saltos de um assunto para o outro, do particular para o geral, do abstrato para o concreto e vice-versa, do real para o imaginário, as pilhérias, as teorias filosóficas, as citações, as teorizações sobre a própria técnica narrativa, a metalinguagem...
A estrutura narrativa • ... constituem inúmeros subterfúgios que tornam a história contada por Brás um mosaico de peças, aparentemente desconexas, que formam uma narrativa de estrutura híbrida (irregular), descontínua, com capítulos que se intercalam a outros produzindo a quebra da linearidade do enredo.
A estrutura narrativa • Entretanto, todos esses aspectos não deixam de estarem ligados a um fio condutor que é a própria vida do defunto autor, marcada pelo tédio e pelo vazio.
O narrador • Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma obra em que os acontecimentos ou sua seqüência são menos importantes do que a atmosfera de ambigüidade que perpassa toda a narrativa. Se num momento o narrador se mostra humilde, noutro se proclamará superior a tudo e a todos;...
O narrador • ... trata-se, portanto, de um “narrador não confiável e volúvel” que, com sarcasmo, cinismo e tédio, expõe sua mediocridade, como salienta no célebre capítulo “Curto, mais alegre”, com a saborosa liberdade de quem morreu e já não tem platéia para espreitar suas ações e, portanto, pode apreciar o “desdém dos finados”, ou seja, sua “franqueza de defunto” não teme a opinião pública e pode “apresentar os fatos de sua existência sem escrúpulosou fantasias.”
Capítulo XXIV: Curto, mas alegre • “Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz a consciência;...
... e o melhor da obrigação é quando, à força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa e a hipocrisia, que é um vício hediondo. Mas, na morte, que diferença! Que desabafo! Que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lantejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos; não há platéia...”
A narrativa • Assim, evidencia-se uma narrativa irônica e niilista sobre a precariedade humana que emerge da vida, das relações e dos projetos fracassados e perecíveis de um típico representante de uma elite dominante e parasitária.
Ou seja, Brás Cubas pertence ao mundo dos grandes proprietários e, vivendo de rendas que herdou de sua família, praticamente durante toda a sua vida, foi um indivíduo cheio de caprichos que levou sua vazia existência sem perspectivas. E todas as suas transgressões e atitudes mesquinhas expressam a falta de ética e escrúpulos de uma elite escravocrata e tacanha do Brasil do século XIX.
Crítica ao Romantismo • Capítulo XIV , O primeiro beijo • Brás Cubas se descreve aos 17 anos: “... o corcel das antigas baladas, que o Romantismo foi buscar ao castelo medieval, para dar com ele nas ruas do nosso século. O pior é que o estafaram a tal ponto, que foi preciso deitá-lo à margem, onde o Realismo o veio achar, comido de lazeira e vermes e, por compaixão, o transportou para os seus livros.”
Crítica ao Romantismo • No trecho citado, o crítico Machado de Assis opõe a crueza da realidade da nova escola (o Realismo) à esgotada idealização do Romantismo; como o cavalo do herói medieval, os temas da literatura realista são colhidos à margem (da sociedade; da superada moda literária) e denunciam um estado de putrefação = “comido de lazeira e vermes”
Capítulo VII = O delírio • Em estado de transe causado pela febre, Brás Cubas é arrebatado por um hipopótamo, que o leva à origem dos séculos. Surge então uma mulher imensa, de contornos indefinidos, que se diz chamar Natureza ou Pandora. Quando, por fim, Brás vê de perto o rosto da estranha, percebe-lhe a impassibilidade egoísta e sua eterna surdez. Ou seja, é alguém indiferente ao clamor humano.
Capítulo VII = O delírio • Ela conduz o defunto-autor ao alto de uma montanha e lhe permite contemplar a passagem dos séculos e entender o absurdo da existência, sempre igual, centrada apenas no egoísmo e na luta pela sobrevivência. O personagem vê a História como uma eterna repetição:
Capítulo VII = O delírio • “flagelos, misérias, cobiça, cólera, inveja, ambição, fome, vaidade, melancolia, riqueza, agitando o homem como um chocalho até destruí-lo como um farrapo.” “A regra é egoísmo, conservação e satisfação do próprio eu: lei de Brás Cubas e dos homens que aparecem no delírio, fantoches sacudidos pelas paixões, variedades de um mal que devora o homem, a buscar a quimera da felicidade que se some na ilusão.”
Capítulo VII = O delírio • Não há, portanto, um sentido de evolução na humanidade. A natureza humana pouco ou nada se modifica. O homem procura inutilmente a “quimera da felicidade”, e esta, sem deixar apanhar-se, apenas “ria, como um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão.” • E Brás Cubas vendo o mundo com “olhar enfarado”, implora mais um pouco de vida.
Capítulo VII = O delírio • Como assinala Augusto Meyer, Brás Cubas revela um sentimento ambivalente diante do infinito ciclo humano: o de vertigem e desamparo diante da inutilidade de todas as buscas e, ao mesmo tempo, o de sarcasmo consciente contra a fatalidade da existência. A ironia é a defesa do personagem contra a natureza cega e insensível.
Capítulo VII = O delírio • Ainda segundo Meyer, ao “passar em revista a monotonia da miséria humana”, Brás Cubas dá a “impressão de quem vai caindo num vazio espantoso e na queda goza a volúpia de cair.” Daí a aparente e enigmática maneira como Pandora o define: “Grande lascivo, espera-te a voluptuosidade do nada”.
O primeiro encontro de Brás Cubas com Quincas Borba, ocorre no capítulo LIX, Um encontro. Amigo de infância de Brás, aparece na condição de mendigo, furta-lhe o relógio e depois reaparece rico (herdeiro de um parente mineiro) e passa a freqüentar a casa do amigo, até sua morte, expondo-lhe, sempre, elementos de sua singular filosofia: “o Humanitismo”.
Quincas e o Humanitismo • O humanitismo é o ponto de contato entre Memórias póstumas de Brás Cubas e o Quincas Borba. A teoria do Humanitas é uma caricatura feroz do positivismo e do cientificismo dominantes na época. A personificação da impassibilidade egoísta, da eterna surdez, da vontade imóvel é, afinal, Humanitas, “o princípio das coisas que não é outro senão o mesmo homem repartido por todos os homens”.
Enfim, o “Humanitismo” é, conforme a visão aguda de Machado de Assis, uma impiedosa sátira complementar das ideias do determinismo social, que constituíam a base filosófica do Realismo. O “Humanitismo” é uma caricatural doutrina híbrida de Positivismo e Darwinismo Social. Ou seja, uma hilariante paródia de todos os “ismos”, com a mesma visão fatalista (a supremacia das raças = a lei do mais forte) que constituíram as doutrinas científicas que dominaram a Europa, no século XIX, e chegaram, naturalmente, ao Brasil.
Os amores de Brás Cubas • Marcela = a cortesã = seu primeiro amor, que lhe amou “durante quinze meses e onze contos de réis”. • Eugênia = a “flor da moita”, coxa e infeliz. • Eulália = com quem pretendia casar mas que morre de febre amarela com apenas 19 anos.
A bela dama espanhola, alegre e sem escrúpulos, luxuosa, impaciente, amiga de dinheiro e rapazes, a primeira mulher de sua vida, a doce prostituta Marcela. Ela o amou “durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos”. Seu pai, logo que teve conhecimento dos onze contos, uma fortuna para a época, ficou furioso e o enviou para estudar na Europa, receoso do envolvimento profundo do filho com uma prostituta.
Eugênia tem um defeito de nascença: é coxa. Todos esses aspectos fazem com que ele confirme que não deve envolver-se seriamente com ela, já que estava em condição social inferior à sua e não lhe era possível esquecer a origem da moça: “uma flor que foi gerada na moita”. Além do mais, ela era, segundo o seu cinismo e sarcasmo, coxa. E pergunta-se: “Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita?”
E, assim, quando resolve despedir-se de Eugênia, alegando que precisava descer da Tijuca, depara-se com a nobreza de caráter da menina que não leva em consideração suas hipérboles frias e evasivas e o encoraja a partir, pois, assim, escaparia do ridículo de casar-se com ela. Ou seja, talvez a “Vênus manca” de Brás seja a única personagem dessa história que demonstra dignidade e caráter.