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Fundamentos possíveis de uma política pública. Rosana Onocko Campos DMPS/FCM/Unicamp - 2011. Welfare State. Na saúde pública houve desde o século XIX na Europa uma forte tendência a desenvolver políticas de saneamento e urbanas visando o controle de epidemias como a do cólera.
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Fundamentos possíveis de uma política pública Rosana Onocko Campos DMPS/FCM/Unicamp - 2011
Welfare State • Na saúde pública houve desde o século XIX na Europa uma forte tendência a desenvolver políticas de saneamento e urbanas visando o controle de epidemias como a do cólera. • A Europa no século XX foi – sobre tudo no pós-guerra - o espaço pioneiro em desenvolver políticas de Welfare State. • A relação Estado- sociedade, nesses países, principalmente mediada pelas lutas sindicais conseguiu implementar políticas públicas de cunho universal que dessem cobertura a grande massa trabalhadora (saúde, previdência, educação, seguros de desemprego, etc.)
Formatações que dependem das concepções vigentes, das acumulações históricas e das escolhas políticas feitas por diferentes países. Divergem em relação ao entendimento do acesso a bens e serviços segundo mérito ou segundo necessidade e riscos; e também na valorização da saúde e da educação como direito social. • As concepções vigentes sobre a relação capital- trabalho são as que marcam as características dos sistemas de proteção social, classicamente diferenciados em: residual, meritocrático, ou universal.
O que faz uma sociedade fazer um tipo ou outro de escolha? • História • Sociologia • Filosofia • Psicanálise
Freud No inicio do Séc XX insere uma quebra na leitura iluminista da racionalidade. • O homem como ser de desejo, que é movido por pulsões a cuja lógica ele não tem acesso. • As fronteiras entre saúde mental e doença são borradas pela descoberta do inconsciente: os sonhos, os lapsos, os chistes pertencem à vida de todos os seres humanos. • Todos deliramos em sonhos. E neles somos capazes de façanhas incríveis.
Para Freud, o sofrimento nos ameaça – enquanto humanos – a partir: • de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução; • do mundo externo, com suas forças esmagadoras; • e do relacionamento com os outros homens, fonte do sofrimento mais penoso. Os mecanismos defensivos apareceram para proteger o ser humano da dor. O custo é, às vezes, alto demais: isolamento, neurose, uso de drogas, afinco excessivo no controle técnico da natureza.
Mal-estar na civilização (1931) • Freud empreende uma crítica feroz à civilização ocidental de sua época, e chega a uma interrogação que chama de “espantosa”: • se a civilização é fonte de sofrimento, deveríamos voltar às árvores? • Para ele, apesar do progresso tecnológico que a sociedade ocidental adquiriu no controle da natureza, não aumentou com isso a satisfação prazerosa da humanidade, nem nos tornamos mais felizes...
Freud defende que há uma dupla motivação de todas as atividades humanas: • a utilidade (o que o homem fez ao longo da história serve para “algo”) e, • a obtenção do prazer.
Na cultura • Há sempre um mal-estar, característica constitutiva e não “patológica” ou excepcional do fenômeno social. • “A substituição do poder do indivíduo pelo poder de uma comunidade constitui o passo decisivo de uma civilização” (FREUD: Op. Cit.), assim, a civilização é construída sobre uma renúncia ao instinto. • Para Freud, a frustração social domina o campo dos relacionamentos humanos, pois, diz ele: “não se faz isso impunemente” = mal-estar!
Ao final... • Eros e Ananke (amor e necessidade) são os pais da civilização humana. • A sociedade visa unir os membros de maneira libidinal: “favorece todos os caminhos pelos quais identificações fortes possam ser estabelecidas entre os membros da comunidade e (...) convoca a libido inibida em sua finalidade[1], de modo a fortalecer o vínculo comunal através de relações de amizade” (Idem). [1] Freud refere-se aqui à libido sem finalidade genital.
Por isso... • O laço de amizade é possível entre alguns, que precisarão constituir-se como “alguns” em relação aos “outros”, e com os quais será possível construir um escoadouro, sob a forma de hostilidade contra intrusos. • Isso será evidente entre comunidades próximas e relacionadas. Freud chamou esse processo de “narcisismo das pequenas diferenças”, no fundo, uma satisfação conveniente e relativamente inócua[1] da inclinação para a agressão, mediante a qual a coesão entre os membros de uma comunidade torna-se mais fácil. [1]Inócua se pensada em relação ao extermínio material do outro, mas não inerte do ponto de vista institucional, como veremos adiante.
Castoriadis, 1986 • O projeto como projeção de desejos realizável junto com os outros: e que é possível como esperança para a humanidade e não simples produção neurótica. • A psicanálise deveria contribuir para desmascarar o melodrama, a falsa tragédia da vida humana, não perseguindo, com isso, a ilusão de eliminar o lado trágico – inevitável - da vida.
“Perseguiria eu a quimera de querer eliminar o lado trágico da existência humana? Parece-me mais certo que quero eliminar o melodrama, a falsa tragédia – aquela onde a catástrofe chega sem necessidade, onde tudo poderia ter-se passado de outro modo se apenas os personagens tivessem sabido isto ou feito aquilo (...) E se a humanidade perecer um dia sob o efeito de bombas de hidrogênio, recuso-me a chamar isso de tragédia. Chamo de imbecilidade (...) Quando um neurótico repete pela décima quarta vez a mesma conduta de fracasso (...) ajudá-lo a sair disso é eliminar de sua vida a farsa grotesca e não a tragédia (...)” (Castoriadis,1986: 115).
Castoriadis, 1986 • A descoberta freudiana deve ser entendida na sua dimensão histórico-social; a questão da socialização da psique, da fabricação social do indivíduo, começa com seu nascimento. • Ele destaca que Freud e a psicanálise se inscrevem numa tradição democrática e igualitária, pois:
“o mito da morte do pai [referência a Totem e tabu, de Freud] não poderia jamais ser relacionado à fundação da sociedade, se não incluísse o pacto dos irmãos, portanto também a renúncia de todos os viventes a exercerem um ‘domínio’ real e seu compromisso em aliarem-se para combater quem quer que isso pretendesse (...) O ‘assassinato do pai’ nada é e a nada conduz (senão a repetição sem fim da situação precedente) sem o ‘pacto dos irmãos’ (...)” (1987: 89, grifos e aspas do autor).
É nessa tradição que desejamos inscrever nossa contribuição. No direito a ter desejos de uma vida institucional mais justa e fraterna, na procura de uma democracia e participação institucional que não se baseiem simplesmente na culpa pela morte do pai fundador, mas, sobretudo, no pacto fraterno entre os irmãos que se comprometem a solidariamente não deixar para ninguém o exercício absoluto do poder. “tendo esse desejo que é o meu, só posso trabalhar para sua realização” (CASTORIADIS, 1986: 114).
Significações Imaginárias (Castoriadis) Têm 3 funções principais: • Estruturam as representações do mundo (a mais importante é a que a sociedade tem dela mesma). • Designam as finalidades da ação (o que deve e o que não deve ser feito). • Estabelecem os tipos de afetos característicos de uma sociedade.
Significações Imaginárias (Castoriadis) • Através de instituições mediadoras e dessas significações se institui um tipo de sujeito particular: o brasileiro do século XXI é diferente do florentino do século XVI • Essa identificação social seria uma defesa contra a morte, que só opera se as significações podem ser tidas como perenes. • Mas hoje o que há de perene? Como se dá isto em famílias recém “promovidas” de classe social? • Quais valores lhes são oferecidos , os da elite? • Desistiremos da educação - por exemplo - e deixaremos a recriação das SI à propaganda?
Significações Imaginárias (Castoriadis) • Ao contrário do que se fala por aí a sociedade de consumo não teria criado um individualismo, senão um conformismo generalizado e grudento: todo igualque nos pouparia de nos tornarmos um “si mesmo” • Esse conformismo só pode existir ao preço de que não haja um núcleo de identidade consistente... • Individualidades “em frangalhos”
Significações Imaginárias (Castoriadis) • Por essa crise do processo de identificação a sociedade perde a capacidade de se enxergar como centro de sentido e de valor. • Assim, se perde a possibilidade de construir um nós fortemente investido. • Muitos só percebem à sociedade como uma entidade limitadora e de controle que lhes teria sido imposta: ilusão monstruosa e indicativa de um processo de dessocialização. • Ao mesmo tempo, esse mesmo individuo dirige a essa mesma sociedade pedidos ininterruptos de assistência. • Negligencia -se a questão de que a dívida com as gerações passadas devemos paga-la com as gerações futuras...
Significações Imaginárias (Castoriadis) • No outro pólo, está o individuo que vê a história como uma paisagem turística, faz de tudo para esquecer que um dia vai morrer e que todo o que faz no tem o menor sentido, corre, compra, pratica esportes, vê televisão: se distrai, criando una cultura da cosmética da banalidade, contra cara macabra da outra metade social, a arrojada à luta pela sobrevivência cotidiana nas margens. • Uma sociedade assim não é capaz de recriar outra forma de estar unida. A história para ela é uma paisagem turística. • Os sujeitos se distraem mas não criam cultura. • Uma sociedade com estas características tem enormes dificuldades para se pensar, se refazer, se reinventar a si mesma... • Cabe a pergunta de si se trata de "uma" sociedade...
No contexto social atual • Quem e como defende uma política pública em termos de universalidade, de welfareState? • Ancorados em quais SI que a sociedade brasileira possui fazê-lo? • Quais são os afetos permitidos na nossa sociedade atual: desconfiança, concorrência, oportunismo? Se sim, por que alguém defenderia sistemas públicos que classicamente se basearam na solidariedade?
Então, como intervir? • Por um lado, a política pública não pode procurar sua potencia longe das intervenções concretas que ela produz nem em estratégias neo-colonizadoras. • Tampouco a achará se desiste de produzir mudanças. • Nossas práticas deveriam afirmar se como experiência - limite entre o psíquico e o social, entre o que diz respeito a uma interioridade e às formas de organização da cidade, das pessoas, da política. • Assim, talvez, possamos sair das receitas prontas, posamos interromper essa visão estereotipada de nós e dos outros (os pobres, os necessitados, os que no sabem), na qual sempre são os outros os que tem que mudar, aprender, incorporar...
“Se acaso devemos, eu e os outros, encontrar o fracasso nesse caminho, prefiro o fracasso numa tentativa que tem um sentido a um estado que permanece aquém do fracasso e do não fracasso, que permanece irrisório” (CASTORIADIS, 1986: 113).
Bibliografia • CASTORIADIS, Cornelius, 1986. A instituição imaginária da sociedade. Tradução de Guy Reynaud. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. 418 p. • __________, 1987. As encruzilhadas do labirinto/1. Tradução de Carmen Guedes e Rosa Boaventura. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. 335 p. • Castoriadis, C, 2002. A ascensão da insignificância: encruzilhadas no labirinto IV. Tradução de Regina Vasconcellos. São paulo: Ed. Paz e Terra. 279 p. • Freud, S. 1997. O mal-estar na civilização (1931). In: Edição eletrônica brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora. • Kristeva, J, 2002. As novas doenças da alma. Tradução de Joana Angélica d’Avila Melo. Rio de Janeiro: Rocco Editora. 239 p. • Lyotard, J.F. A condição pós-moderna. Traducción de Ricardo Corrêa Barbosa. Rio de janeiro: Ed. José Olimpio, 2006. • Onocko Campos, RT, 2001. Clinica: a palavra negada sobre as práticas clínicas nos serviços substitutivos de saúde mental. In: Saúde em debate, Rio de Janeiro, V. 25, n. 58, p. 98-111, maio/ago. 2001. • Onocko Campos, RT, 2005.O encontro trabalhador-usuário na atenção à saúde: uma contribuição da narrativa psicanalítica ao tema do sujeito na saúde coletiva. In: Ciência & Saúde Coletiva, 10(3):573-583, 2005.
Fundamentos possíveis de uma política públicafim Rosana Onocko Campos rosanaoc@mpc.com.br Maio 2011