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CARTA AOS GÁLATAS. Galácia. 1. A GALÁCIA A palavra “ Galácia ” podia ser entendida de três modos diferentes. Designava: a) país da Europa habitado pelos gauleses e chamada, em latim, de Gália; b) a região da Ásia Menor ocupada pelos gauleses no séc. III a.E.C.;
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CARTA AOS GÁLATAS
1. A GALÁCIA A palavra “Galácia” podia ser entendida de três modos diferentes. Designava: a) país da Europa habitado pelos gauleses e chamada, em latim, de Gália; b) a região da Ásia Menor ocupada pelos gauleses no séc. III a.E.C.; c) a Província Romana da Galácia, formada após a morte do rei Amintas em 24 d.EC. À Galácia propriamente dita foram juntadas a parte oriental da Frígia, a Licaônia, a Isauria e o Ponto. A Província Romana compreendia todos esses territórios. Esta Província da Galácia dependia do imperador e era governada por um legado pretoriano. O governador morava em Ancyra (atual Ancara), que era a grande metrópole da região.
2. OS DESTINATÁRIOS DA CARTA A carta é endereçada às “Igrejas da Galácia” (1,3). Porém, como entender o termo “Galácia”, já que com ele se podia designar a Galácia propriamente dita no norte da Ásia Menor e a Província Romana da Galácia? Assim, a carta, pode ter sido enviada a um grupo de Igrejas situadas na Galácia propriamente dita, que Paulo evangelizou na sua segunda e terceira viagem missionária (At 16,6; 18,23), e seria o primeiro escrito Paulino; ou aos habitantes da província romana da Galácia, isto é, às Igrejas de Antioquia da Pisídia, Icônio, Listra e Derbe, que Paulo fundou na sua primeira viagem missionária (At 13,14–14,22). As duas opiniões possuem seus defensores e argumentos de valor. A maioria dos exegetas, opta pela tese da Galácia propriamente dita, embora Lucas não mencione as Igrejas aí fundadas.
Essas comunidades eram formadas em sua maioria por gentios, gálatas convertidos (5,2; 6,12) Toda a argumentação da carta se apóia na não necessidade da circuncisão, pois quem salva é a fé em Jesus Cristo e não a circuncisão. Se eles se fazem circuncidar, o Cristo não lhes servirá para nada (5,2). De outro lado, muitos textos mostram que entre os leitores da carta havia judeus de nascimento e prosélitos. (2,15; 3,13.23.25.28; 4,3). Isto é, os leitores da carta conhecem o AT e a dialética rabínica. Caso contrário, Paulo não se serviria tanto da Bíblia para apoiar sua argumentação doutrinal. Com exceção da carta aos Romanos, Gálatas é o escrito paulino onde se encontra o maior número de citações do Antigo Testamento. Portanto, os destinatários da carta eram em sua maioria pagãos, provavelmente prosélitos e uma minoria de judeus de nascimento. É o mais “paulino” de todos os escritos do Apóstolo. E os temas aqui tratados serão melhor desenvolvidos da Carta aos Romanos.
3. OCASIÃO E OBJETIVO Paulo evangelizou a Galácia durante sua segunda viagem missionária (At 16,6). Sua permanência na região, ao que parece, se prolongou por causa de uma doença (Gl 4,13). Foi bem recebido pelos gálatas (4,14). Infelizmente não sabemos onde Paulo pregou. Seu ministério foi frutuoso, pois os gálatas receberam o Espírito Santo (3,2) e muitos milagres aconteceram entre eles (3,5). Segundo Paulo, tudo andava bem (5,7). Parece que Paulo, na sua terceira viagem, visitou novamente essas comunidades (4,13). Depois de sua partida, as Igrejas da Galácia sofreram a infiltração dos “judaizantes” (eram cristãos de origem judaica que sustentavam a necessidade da observância da Lei de Moisés, como meio indispensável para a salvação). Provavelmente, vindos de Antioquia da Pisídia, ensinavam um “evangelho” diferente daquele que Paulo pregava (Gl 1,6-8).
Esse grupo de judeus-cristãos era liderado por uma pessoa que desconhecemos, mas com uma autoridade reconhecida (Gl 5,10). Não sabemos, também, como Paulo chegou ao conhecimento da situação da Galácia. Mas, é certo que ao escrever a carta estava muito bem informado. A carta nos mostra qual a tática usada por seus adversários Atacavam seu apostolado e sobretudo sua independência em relação aos Apóstolos. Acusavam Paulo de não ter nenhum mandato para sua missão entre os gentios e ninguém atestava sua missão, a não ser ele mesmo. Segundo estes adversários, para agradar os neo-convertidos e ser estimado por eles, Paulo omitia em sua pregações as partes essenciais do Evangelho. Mas atacavam sobretudo o “Evangelho de Paulo”. Para eles, a Lei Mosaica era o sinal da Aliança eterna, dada pelo próprio Deus. Portanto, se os gálatas quisessem participar dessa Aliança, e serem cristãos completos, e ter parte nos bens messiânicos, deviam ser circuncidados (5,2; 6,12) e observar as festas judaicas (4,10).
Alguns gálatas parecem que ficaram fascinados com a nova doutrina (3,1). De fato, os judaizantes apoiavam sua doutrina no AT, na prática de Jesus Cristo e dos Apóstolos, e das Igrejas da Palestina. A seus olhos, Paulo teria pregado um evangelho incompleto. Eles estavam a ponto de aceitar um “outro evangelho”. Já começavam até a observar “dias, meses, estações e anos” (4,10). Mas parece que ainda não haviam aceitado a circuncisão (5,2) e os adeptos do novo evangelho não eram muitos. Assim, ainda havia esperança de conservá-los na verdadeira fé em Jesus Cristo. Qualquer que fosse o sucesso de seus adversários, Paulo se sentia inquieto. Desejava estar presente para admoestá-los (4,20). Mas na impossibilidade de ir pessoalmente, escreveu a carta para persuadi-los. Teria, Paulo, ao contrário de ditar suas cartas como era seu costume, escrito, ele mesmo toda a carta? Ou a observação de 6,11 se refere apenas aos últimos versículos?
4. DATA E LUGAR DE COMPOSIÇÃO Há muita incerteza quanto a data e o local em que a carta foi escrita. Os autores que admitem que a carta foi escrita às Igrejas do Sul da Galácia, isto é, a Antioquia da Pisídia, Icônio, Listra e Derbe, propõem uma data em torno ao ano de 49. Assim, a carta aos Gálatas seria a primeira carta de Paulo. Porém, devemos reconhecer que a carta for escrita após o Concílio de Jerusalém. De fato, a reunião em Jerusalém descrita em Gl 2,1-10 é, sem dúvida, a mesma relatada em At 15. Para aqueles que sustentam uma destinação às Igrejas da Galácia propriamente dita, a carta teria sido escrita em Éfeso entre os anos 54 a 57, na terceira viagem de Paulo. Alguns preferem datá-la em 57 da cidade de Corinto, por causa da grande semelhança com Romanos escrita ali em 58. Porém, a data mais aceita é entre 54-57, depois da Primeira Coríntios, na cidade de Éfeso.
5. DIVISÃO É difícil encontrar consenso entre os biblistas quanto à divisão da Carta. Eis uma boa proposta: Introdução (1,1-10) a) Pré-escrito (1-5) b) Exortação e tema da Carta: a mensagem anunciada por Paulo é o único Evangelho, ao qual os Gálatas devem permanecer fiéis (6-10). I - Prova autobiográfica (1,11–2,21) a) O Evangelho de Paulo provém de uma revelação (1,11-24) b) Este foi reconhecido pelos “notáveis” de Jerusalém (2,1-10) c) Ele o defendeu coerentemente também diante de Pedro (2,11-21) II – Argumentação doutrinal (3,1–4,31) a) A experiência cristã dos Gálatas (3,1-5)
b) Argumento com as Escrituras: o exemplo de Abraão (3,6-29) - a bênção a ele prometida se recebe somente mediante a fé (3,6-14) - a lei não pôde anular a promessa (3,15-18) - a lei é o “pedagogo” que deixou o lugar a Cristo (3,19-29) c) Liberdade e adoção filial (4,1-31) - a obra de Cristo e do Espírito (4,1-7) - a experiência feita pelos Gálatas no momento da conversão (4,8-20) - novo argumento com as Escrituras: as duas alianças (4,21-31) III – Exortações (5,1–6,10) a) Convite à adesão à fé que opera por meio da caridade (5,1-12) b) Liberdade e vida no Espírito (5,13–6,10) - O amor como resumo da lei (5,13-15) - Viver segundo o Espírito (5,16-24) - União fraterna e espera escatológica (5,25–6,10) Pós-escrito (6,11-18)
6. MENSAGEM Cristo, autor da nossa liberdade: O plano de Deus se realiza na pessoa de Cristo. Ele é a realização da promessa feita a Abraão (3,16). “Quando chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei, para resgatar os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial” (4,4-5). O Ressuscitado (1,1) é aquele que se deu a si mesmo pelos nossos pecados, para tirar-nos deste mundo perverso, segundo a vontade de Deus e Pai nosso (cf. 1,4). Nele temos a verdadeira liberdade e se a perdemos voltamos a ser escravos (2,4-5; 4,7.9. “Cristo nos resgatou da maldição da Lei, tornando-se Ele mesmo maldição por nós” (3,13). A Cristo devemos a verdadeira e definitiva liberdade (5,1.13). Qualquer pessoa pode obter esta liberdade, mas somente na adesão a Cristo e sua obra: “Quanto a mim, não aconteça gloriar-me senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (6,14).
b) A justificação mediante a fé: A adesão a Cristo e a participação à sua experiência de morte e vida é feita mediante a fé”...não sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carne eu a vivo na fé no Filho de Deus que vive em mim” (2,20). Mediante a fé se obtém a justificação: “fomos justificados pela fé em Cristo e não pelas obras da lei” (2,16), pois se a justificação vem pela Lei, Cristo morreu em vão (2,21; 5,4). É certo que a Lei agiu como um “pedagogo” que nos conduziu a Cristo (3,24). Paulo tem em mente a Lei que separada da fé autêntica se tornou uma série de prescrições, que são observadas para querer tornar-se bom aos olhos de Deus. O preceito do amor se torna mais importante (5,13-14) e a lei animada pelo Espírito (6,2), faz com que a fé opere por meio da caridade (5,6). Em síntese a polêmica de Paulo com a Lei é porque não quer minimizar a ação de Cristo em favor da salvação da humanidade. Especialmente deve ter em mente os cristãos vindos do paganismo, aos quais se queria exigir a circuncisão. Aceitar a Lei seria rejeitar Cristo e tornar vã a sua cruz.
OBS. O problema da “justificação” apresentado aqui e melhor desenvolvido na Carta aos Romanos, historicamente produziu muitos problemas entre a Igreja Católica e as Igrejas Protestantes, ainda que os pontos em comum eram maiores que os pontos divergentes. Assim, mais do que louvável foi a Declaração Conjunta, assinada entre a Igreja Católica Romana e a Federação Luterana Mundial em 1999, tentando superar estas divergências.
c) A obra do Espírito no coração dos cristãos: A obra redentora de Cristo se realiza por meio do Espírito. Os Gálatas receberam o Espírito não porque cumpriram as obras da lei, mas pela sua adesão a fé em Cristo (3,2-3). Foi através de Cristo que eles puderam experimentar Deus como Pai e puderam sentir-se filhos: “E porque sois filhos, Deus enviou ao nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Abba, Pai!” (4,6). Ora foi este Espírito que os arrancou da escravidão, para torná-los filhos. E sendo filhos, são também herdeiros! (4,7). Este mesmo Espírito que guia os cristãos no caminho para Deus, inspirando neles desejos contrários aos desejos da carne (5,16-26).
A justificação mediante a fé é também um meio com o qual Deus reúne a Igreja, na qual está presente o “Israel de Deus” (6,16), isto é, o povo eleito dos tempos escatológicos. Esta é a Jerusalém celeste, que gera os seus filhos na liberdade, uma comunidade marcada não pelas práticas legalistas, mas por uma vida de fé e de amor. A Igreja é universal, não somente porque é aberta a todos, mas porque nela, mediante a adesão a Cristo, todos encontram a sua unidade: “Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um em Cristo Jesus” (3,28). Assim caem todas as barreiras de classe, sexo, casta, cultura que dividem a humanidade, tornando assim possível uma experiência profunda de comunhão fraterna. A adesão à Igreja não pode mais ser resultado de fatores que pertencem à história, à sociedade ou à cultura, mas somente da decisão da fé: por isso, todos podem tornar-se filhos de Deus sem o dever de abandonar aquilo que de válido e bom existe no seu âmbito cultural. OBS. Os pontos 5 e 6 são baseados em A. Sacchi e collaboratori. Lettere Paoline e altre Lettere (Logos 6. Elle Di Ci, Torino 2002) p. 157-170.
Créditos • Coordenação geral da Produção: Irmã Bernadete Boff, fsp • Texto: Padre Antônio Luiz Catelan Ferreira • Arte do power point: Irmã Matilde Aparecida Alves, fsp Irmã Ivonete Kurten,fsp Bianca Russo • Fotos: Arquivo Paulinas – Proibida a reprodução e cópia de imagens - Direitos reservados