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I Reflexes tericas sobre a escuta filosfica. A escuta uma filosofia ou uma arte? H quem reformule o problema dessa outra maneira: a Filosofia Clnica teoria ou prtica?O que a Filosofia Clnica? A filosofia, talvez, melhor se define pela sua funo (Deleuze, O que a filosofia?): a
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1. A Escuta da Invisibilidade Sobre como a Filosofia Clnica pode ensinar
a arte da Escuta
Reflexes do livro A Escuta e o Silncio, de Will Goya (Goinia: UCG, 2008)
2. I Reflexes tericas sobre a escuta filosfica A escuta uma filosofia ou uma arte? H quem reformule o problema dessa outra maneira: a Filosofia Clnica teoria ou prtica?
O que a Filosofia Clnica?
A filosofia, talvez, melhor se define pela sua funo (Deleuze, O que a filosofia?): a de criar e recriar conceitos, contra todas as opinies que escravizam com respostas fceis, apressadas e solues equivocadas.
E qual o principal conceito que a Filosofia Clnica se dedica? Seria uma filosofia da cincia, das artes, da religio uma filosofia poltica ou o que?
3. o pensamento fundante da filosofia de Packter foi a busca pela ajuda ao outro, na clnica. Sua pesquisa e os resultados prticos ... colocam-no como um filsofo para alm do projeto moderno da racionalidade, da representao e do sujeito terico pleno. Em sua forma de pensar, como a entendo, a tica assume um papel central e anterior epistemologia. Posto assim, o conhecimento define-se como responsabilidade e a lgica da terapia como a moral do pensamento clnico. Por conseguinte, a Filosofia Clnica constitutiva e essencialmente uma prxis tica e no pode ser pensada para alm das aes. p.179
O conceito mais importante e investigado da Filosofia Clnica, em torno do qual gravitam todas as outras consideraes, a relao de ajuda ao outro. , pois, um conceito tico que nasce do princpio da compaixo. Se a filosofia amor ao conhecimento (Pitgoras, sc. VI a.C.), Filosofia Clnica o conhecimento amoroso da existncia concreta do outro.
4. Conceitos so pensamentos tericos ou vivncias prticas?
Os conceitos no so formados como moldes, no so achados, como se fossem produtos. Eles se pem em si mesmos, pela necessidade de se afirmar o que uma coisa , de tal forma que se possa identific-la e jamais confundi-la com qualquer outra. So criados e afirmados como conhecimento das coisas e dos seres, reconhecidos por meio de seus atributos essenciais. p. 26.
O conceito de conceito em Filosofia Clnica como a prpria vida... Por exemplo, o conceito de dor de que nos fala o outro, dor fsica ou moral, pode estar profundamente unido ou separado dos termos verbais que ele se utiliza para express-la. Talvez nunca saibamos o quanto. Ele pode sofrer da prpria linguagem, com dificuldades de se comunicar ou, por sua vez, esta pode nos remeter ao seu mundo interno com tanta facilidade e perfeio que nele as palavras teriam mais alma que o prprio corpo. Isso e mil variaes... A palavra, os gestos, a forma como no se consegue dizer algo ou a maneira de se mentir, o perfume e as roupas etc., toda a sintaxe dos signos tomada como chance de proximidade. Na terapia, os saberes so caminhos de encontro entre as pessoas. p. 38
5.
Para a Filosofia Clnica, semelhana do raciovitalismo de Ortega Y Gasset (Meditaes do Quixote) todo conceito vital, isto , s tem significado construdo nas circunstncias do mundo da vida. O conceito no s um modo de conhecimento, mas um novo modo de ser e de unio essencial com os outros seres. Portanto, na Filosofia Clnica escutar compreender os conceitos vitais do partilhante, num movimento simultaneamente terico e prtico.
6.
A escuta uma filosofia do outro, porque exige um nico mapeamento universal para toda e qualquer subjetividade. uma forma pura de estrutura de pensamento humano, abstrato e de derivaes semnticas, que pode ser chamado de outro-universal.
A escuta tambm uma arte de aproximao do partilhante, que pode se chamado de outro-pessoa, um ser emprico, concreto, que se pe de frente ao terapeuta e dialoga com ele.
7. Qual a funo da Filosofia Clnica? Criar e recriar o conceito individual de ser humano. Definir ser humano (enquanto substantivo) a mais pura filosofia do sujeito. Refazer um ser humano (enquanto verbo), aps uma crise de sofrimentos, a mais pura arte de terapia.
Qual a funo da escuta na Filosofia Clnica? Dar ao pensamento tico, s filosofias contemporneas da alteridade, uma dimenso prtica, verificvel e eficiente de compreenso da subjetividade, respeito s diferenas e ajuda ao prximo. a escuta que faz a filosofia tornar-se clnica, que faz o pensamento tico tornar-se uma arte de amar. Quando a filosofia vira clnica, o desejo do conhecimento sobre o outro se faz conhecimento do amor ao prximo. p.188
Um filsofo clnico feito exatamente pelos dois termos que o definem
8. II Elementos prticos sobre a arte/clnica da escuta filosfica
Nada se pode aprender sobre a prtica de uma arte que no seja praticando-a.
Aprender a arte clnica da escuta filosfica tem como dificuldade inicial, muitas vezes, o desejo de uma prescrio sobre as tcnicas de como fazer, o que reforaria o erro comum de voltar separao entre teoria e prtica, e crena de que a Filosofia Clnica a filosofia acadmica aplicada clnica.
A escuta uma experincia pessoal que cada qual s pode ter por si e para si. No inteiramente desconhecida por ningum, na medida em que todos ns em algum momento j conseguimos entender moderadamente bem o que o outro quis dizer quando nos disse algo.
9. O que a filosofia e a arte da escuta
A escuta clnica filosfica o esforo tico e amoroso de compreenso da intencionalidade do outro, atravs da linguagem por ele utilizada, a fim de ajud-lo a superar seus conflitos existenciais.
10. Intencionalidade a percepo da conscincia em foco. H sempre uma inteno que est sendo comunicada por algum neste exato momento, enquanto estamos focados apenas em nossos interesses imediatos, inconscientes.
Qualquer intencionalidade exige estados inconscientes de ateno. No meu entendimento da FC, o inconsciente basicamente uma consequncia do tpico axiologia (T.18). No h inconsciente totalmente involuntrio, exceto o I. orgnico e do I. extrapsquico.
O terapeuta deve praticar outras formas de intencionalidade com o mundo por meio da capacidade de espanto/estranhamento (epoch/pathos), abandonando o conforto dos interesses de rotina e os perigos do dogmatismo preconcebidos no bvio.
Outra forma de faz-lo via exerccios de recproca de inverso (T14), investigando com profundidade as perspectivas dos outros, sobre momentos aparentemente simples do dia-a-dia. Ouvir atentamente as diversas espontaneidades de opinies, comparando-as sem valor-las ou valoriz-las, evitando rplicas ou agendamentos pessoais.
11. A escuta, para ser filosfica, deve ser multicategorial. Consideraes de exemplos clnicos:
Assunto: a mudana de A. pode alterar profundamente os significados.
Circunstncia: as questes mais importantes da linguagem tm sempre um contexto histrico que lhes do sentido (hermenutica).
Lugar: falar ou escutar as vezes pedem um deslocamento (T.14) para o espao em que os termos atingem significado. Os lugares tambm falam pelos que esto fisicamente ausentes ou presentes sem o corpo. Etc.
Tempo: muito do que est sendo comunicado agora s foi dito no passado.
Relao: as vezes falamos com maior intimidade e expressividade (T21) justamente quando nos apropriamos do discurso elaborado por terceiros, sejam pessoas com quem nos identificamos, sejam prximas ou distantes. Afinal, quem que estamos escutando?
12. Uma autntica escuta filosfica exige uma indexao histrica de dados, dos significados (T.16) subjetivos que o partilhante confere aos termos agendados no intelecto dele (T6). O que uma palavra (roupa, gesto etc) costumeiramente significava at ms passado, pode ter sofrido alteraes ultimamente.
...por princpio, ao final de toda sentena, de cada anlise sobre o prximo, o filsofo deve ter sempre a mesma concluso em suas ltimas palavras de julgamento: et cetera (lat. e outras coisas). Termo que no vem do raciocnio, porque antecipado a qualquer pensamento de explicao dos significados da vida... Na clnica o filsofo trata o pensamento como arte, faz do conhecimento uma habilidade de visualizar o espao de infinitude do outro, as dimenses da criao em que ele se reinventa e os esconderijos dos quais s vezes se revela. Na medida em que essa viso teraputica feita da valsa entre conhecer e cuidar, a arte da clnica inspirada pela atenciosa escuta do et cetera atravs da linguagem de incompletude . p.182
13. Raras so as pessoas e os momentos em que conseguiremos nos expressar com suficiente clareza, reunindo os elementos psicolgicos utilizados pela nossa prpria linguagem. Mais raramente ainda possuiremos vivncias pessoais prximas quelas vividas pelo partilhante. Experincias que muitas vezes ns precisaramos ter vivido para compreendermos as experincias de que o outro nos fala.
Um simples e inocente mascar de chicletes, por razes desconhecidas, pode ser gravemente ofensivo ao outro. Igualmente, pode-se ganhar a simpatia gratuita de um estranho apenas por ter um carro da mesma cor. Pacincia e perdo aos inevitveis conflitos.
A escuta amorosa da Filosofia Clnica no necessariamente mais fcil numa interseo positiva. Fosse assim s haveria intencionalidade da escuta de si mesmo (T14 inverso), utilizando o partilhante como espelho para as prprias vaidades. Nessa tica de alteridade, o amor da escuta no apenas um sentimento, mas uma sabedoria capaz de acolher a diferena do outro. Respeitar nem sempre concordar.
14. Palavras que escutam so aquelas que dizem ao outro o quo profundamente ele foi ouvido. So linguagens que aproximam e cuidam. Pelo mtodo que o ampara, o filsofo clnico fala como quem sabe ouvir. Isso explica, quando o trabalho bem feito, a sensao comum de os partilhantes acharem que o filsofo adivinha seus pensamentos. uma tautologia clnica calculada, precisa, que no repete ingenuamente o discurso do outro (o que no seria uma escuta filosfica), mas reorganiza as possibilidades internas da existncia, a fim de que ele seja o melhor de si e nada mais. p. 124