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AnáliseJurídica da EconomiaSérgioMourãoCorrêa LimaProfessor da Faculdade de Direitoda Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG - BrasilProfessor Visitante no Departamento de DireitoMercantilda Universidade de Valencia – Espanha (2009-2010)DoutorpelaFaculdadede Direito da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG - BrasilPós-DoutorpelaUniversidade de Alcalá de Henares – EspanhaIndicadopeloBrasilcomo Expert para o mecanismo de solução de controvérsias do MercosulAdvogadosócio do EscritórioOsmarBrinaCorrêa Lima – AdvogadosAssociados
Estado e suas funções O poder emana do povo e é exercido em nome dele. Assim, a população (pessoas físicase jurídicas, além dos entes despersonificados) situada em determinado território elege representantes (poder constituinte), que elaboram a Constituição, estabelecendo a forma organizacional e de exercício do poder. O Estado resulta do exercício do poder sobre população residente em determinado território, conforme os ditames da Constituição. Aos órgãos estatais são atribuídas funções legislativas, executivas e jurisdicionais. No âmbito dos Estados: • a “legislação”, consiste na produção de normas gerais: as leis. • a “administração”, consiste na aplicação das leis, mediante a produção de normas regulamentares: atos administrativos. • a “jurisdição”, consiste na interpretação das leis, através de normas individuais: decisões.
Legis latio e legis executio O poder se manifesta através de normas, que se sobrepõem à vontade da população, residente no território do Estado. A primeira função estatal, legis latio, consiste na produção de leis. As outras duas, que também se implementam por via de normas (atos administrativos e decisões, respectivamente), consistem em formas de execução da lei, legis executio. As normas decorrentes da legislação, da administração e da jurisdição conformam a ordem jurídica estatal soberana. O exercício pleno dessas funções configura a “soberania, que é um atributo do poder”.
Incorporação de normasexternas No Brasil, têm vigência apenas as leis brasileiras e os tratados internacionais que tenham sido recepcionados pelo ordenamento jurídico nacional. Da mesma forma, no território do Brasil, somente tem vigência os atos administrativos que tenham sido produzidos pelos órgãos executivos nacionais, além dos normativos ditados por organismos internacionais, que tenham sido recepcionados por ato administrativo ditado por órgão executivo nacional. Por fim, no território brasileiro, somente podem ser cumpridas as decisões estrangeiras que tenham merecido o exequatur, na forma ditada pela Constituição: homologação de sentença estrangeira; e exequatur (stricto sensu) de outras decisões judiciais.
Estas noções fundamentais de teoria geral do Estado e de Direito internacional público revelam que o exercício da legislação, da administração e da jurisdição, em matéria financeira, compete aos órgãos nacionais, na forma do artigo 192 da Constituição de 1988: “Art. 192. O sistemafinanceironacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimentoequilibrado do País e a serviraosinteresses da coletividade, emtodas as partesque o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, seráreguladopor leis complementaresquedisporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeironasinstituiçõesque o integram.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003) Assim, os tratados internacionais acerca deste tema submete-se ao procedimento próprio de incorporação ao Direito interno. Na mesma linha, as normas produzidas no âmbito de organismos internacionais, como o Comitê da Basiléia, devem ser agregadas ao ordenamento jurídico de cada Estado, por meio de ato administrativo ditado por órgão executivo nacional.
Princípios da distribuição do Poder e da Legalidade Dois Princípios norteiam o exercício das três funções do Estado: Primeiro: Para evitar a concentração do poder de império, as funções legislativa, executiva e jurisdicional não devem ser exercidas pelos mesmos órgãos (Teoria da tripartição de Montesquieu); Segundo: A legis latio (legislação), função que em maior medida traça os destinos de um país, não dispensa discussão e debate amplos, no âmbito dos órgãos responsáveis por produzir as leis. Somente excepcionalmente admite-se a produção de regra geral, abstrata, inovadora e obrigatória por outros órgãos.
Fiscalização No Brasil, em regra: • as funções legislativas são exercidas pelo Congresso Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal; • as funções jurisdicionais são exercidas pelos diversos órgãos do Judiciário; e • as funções executivas são exercidas pela Presidência da República, pelos Ministérios e pelos demais órgãos, além de autarquias. As funções administrativas do Estado abrangem o fomento, a fiscalização e a prestação de serviços públicos. A fiscalização – em sentido amplo (polícia administrativa) - compreende a execução das restrições impostas por lei ao exercício de direitos individuais em benefício do interesse coletivo; compreende medidas de polícia, licenças, autorizações, fiscalização e sanções. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, Atlas, São Paulo, 1996, p.54 e 55.)
Interessepúblico, coletivo e particular As atividades financeiras envolvem interesses públicos, coletivos e particulares. O interesse público é aquele atrelado ao Estado e, consequentemente, a todas as pessoas físicas, jurídicas e entes despersonificados que se encontram no território brasileiro, se sujeitando à legislação, à jurisdição e à administração do Brasil. O interesse coletivo é aquele não vinculado a todos, mas a um grupo, maior ou menor, de pessoas físicas, jurídicas ou entes despersonificados, que se encontram no território brasileiro. O interesse individual toca apenas a uma pessoa física, jurídica ou ente despersonificado.
Atividadefinanceira - interesses As atividades financeiras e as instituições que as exercem atingem, a um só tempo, os interesses público, coletivo e individual: • a uma, porque propiciam a produção de moeda escritural, que atualmente superam muito em quantidade a moeda real (sucessivas operações de depósito e empréstimo); • a duas, porque têm direta influência na economia, como um todo, porque relacionadas ao terceiro fator (econômico ou produtivo): capital, ou seja, recursos financeiros, próprios ou de terceiros; • a três, porque o Estado também recorre a empréstimo de dinheiro junto às instituições financeiras, arcando com juros (geralmente, taxa SELIC); • a quatro, porque o Estado também atua no mercado financeiro, tanto através do BNDES, quanto por meio de instituições financeiras públicas (CEF) e de economia mista (BB);
a cinco, porque algumas das instituições financeiras coletam e captam recursos de titularidade de terceiros (operações passivas); outras administram e aplicamrecursos de outraspessoasouentesdespersonificados (operações de gestão). Portanto, devemguardar e zelarpelaintegridade do patrimônio de grandescoletividades de pessoas: Lei 4.595/1964: “Art. 17. Consideram instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.” • a seis, porque todo o dinheiro (moeda real ou escritural) em circulação no país transita pelas instituições financeiras, que podem ser utilizadas como meio para o desvio de recursos públicos ou o direcionamento dos recursos financeiros das mais diversas coletividades de pessoas.
Funções do Estado e Mercado Financeiro Por estas razões, as três funções do Estado (legislativa, executiva e jurisdicional) devem ser exercidas com redobrado cuidado no mercado financeiro, de modo a que: • a legislação, contendo os ditames maiores do mercado financeiro, seja ditada pelo Congresso Nacional, após discussão e debate amplos, dissociados das conveniências políticas de qualquer governo, partido ou setor da economia; implementar efetiva fiscalização sobre os particulares que venham a explorar as atividades financeiras; • a fiscalização, atividade que compõe a administração, seja efetiva e transparente, exercida em conjunto pelos diversos órgãos que exerçam o poder de polícia e o dever de fiscalização, como a polícia e o Ministério Público, de modo a monitorar o mercado financeiro, evitando o desvio de recursos públicos e afastando o direcionamento tendencioso dos recursos financeiros dos brasileiros; • a jurisdição seja exercida de modo a proporcionar segurança aos brasileiros e confiabilidade no sistema financeiro nacional.
Reforma do Estado e AgênciasReguladoras “Nos últimos anos, assistimos em todo o mundo a um debate acalorado, ainda longe de ser concluído, sobre o papel que o Estado deve desempenhar na vida contemporânea e o grau de intervenção que deve ter na economia.” (Organizações Sociais. Brasília, Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1998, p. 07) O Brasil copiou parcialmente, na reforma do Estado, modelos estrangeiros das Agências Reguladoras: • que atuam em setores específicos do mercado; • que, no setor que atuam, nem sempre contam com a interferência do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica e à SDE – Secretaria de Direito Econômico, responsáveis pela “política de defesa da concorrência (...) voltada à prevenção e repressão de condutas anticompetitivas, incluindo o controle prévio de fusões e incorporações que possam conduzir a estruturas de mercado fortemente concentradas”;
que muitas vezes concentram perigosamente as três funções do Estado (legislação – produção de regra geral, abstrata, inovadora e obrigatória; administração – fiscalização; e jurisdição – processando e julgando os agentes econômicos, ou seja, aqueles que atuam naquele mercado). No mercado financeiro brasileiro, ainda que não designadas por Agências Reguladoras, as três funções do Estado vem sendo desempenhadas da seguinte forma: • Mercado Financeiro – sentido estrito (CMN e BCB) • Mercado de Títulos e Valores Mobiliários (CMN e CVM) • Mercado de Seguros e Previdência Complementar Aberta (CNSP e SUSEP) • Mercado de Previdência Complementar Fechada (CNPC e PREVIC)
Cumulação de funções No caso do mercado financeiro – em sentido estrito – por exemplo, as três funções do Estado vem sendo exercido pelo CMN e pelo BACEN, de modo que: • o CMN e o BACEN vem editando normas, por eles indistintamente consideradas regras gerais, abstratas, inovadoras e obrigatórias; • o BACEN vem fiscalizando de forma ineficiente e não transparente, como será constatado no estudo de caso, objeto da próxima aula; • o BACEN vem processando e julgando os processos em que se apura a responsabilidade administrativa e que se aplica sanções às instituições financeiras e seus gestores, bem como decretando e conduzindo os processos de intervenção e liquidação extrajudicial, nos quais Conselho do CMN funciona como órgão recursal.
FunçãoReguladora Quanto à edição de normas pelos órgãos reguladores e fiscalizadores do mercado de previdência complementar fechada, o ex- Ministro do STF, Eros Roberto Grau, em recente Parecer pontuou: “No texto do artigo 5o, II da Constituição do Brasil --- ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei --- há visível distinção entre (i) vinculação às definições da lei e (ii) vinculação às definições decorrentes --- isto é, fixadas em virtude dela – de lei. No primeiro caso estamos diante da reserva da lei; no segundo, em face da reserva da lei em termos relativos ou reserva da norma [norma que pode ser tanto legal, quanto regulamentar ou regimental].” “O Poder Executivo estará autorizado a exercer função regulamentar apenas se e quando uma lei --- lei em sentido formal --- o autorizar a praticar esse exercício, nos termos dessa lei e na amplitude definida por essa lei; estará autorizado a inovar o ordenamento jurídico nessa amplitude.”
“Cumpre, destarte, (...) verificarmos se há lei a conferir fundamento ao exercício de função regulamentar pelo (...) pelo Conselho de Gestão da Previdência Complementar, bem assim se à Secretaria de Previdência Complementar – SPC, hoje PREVIC, a lei atribui essa função.” “(...) A PREVIC (...) é órgão fiscalizador. Desempenha função administrativa. A ela (...) não cabe o exercício de função regulamentar. A lei somente a autoriza a, subsidiariamente ao dever de fiscalizar, expedir instruções e estabelecer procedimentos para a aplicação das normas relativas à sua área de competência, vale dizer, explicitar comportamentos atribuíveis às entidades fechadas de previdência complementar (...) A instrução editada pelo Secretário de Previdência Complementar é (...) ato subalterno. Não se lhe pode atribuir caráter regulamentar, mesmo porque o artigo 74 da lei complementar 109/01, nela indicado como um dos seus fundamentos, não lhe confere função de órgão regulador, mas fiscalizador (...).”
Aumento da estrutura estataldestinada à regulação e à fiscalização O modelo de regulação e fiscalização aplicado no Brasil preocupa, porque pode resultar em descrédito e desvio de finalidade. O modelo regulatório norte-americano, que vem influindo na estruturação do nosso sistema, teve sucesso, por causa (Dutra, Pedro. Agência de Vigilância Sanitária. In. Revista do IBRAC, volume 5, número 7, São Paulo, 1998, p. 03 e 04): • da atenção do legislador aos princípios constituicionais, ao votarem as leis que criaram suas agências reguladoras; • da atuação e da contribuição dos demais órgãos de fiscalização do mercado, além das agências reguladoras; • da proteção dos direitos de cada um dos consumidores contra eventual abuso ou omissão das agências reguladoras;
da “separação desses órgãos do governo, traduzida na independênciadecisória e financeira das agências reguladoras”, inclusive com mandatos com termo fixo para seus dirigentes e proibição de interferência política de governantes em suas ações; • da imposição de as agências agirem exclusivamente nos termos da lei que lhes disciplina a atuação, sendo seus dirigentes pessoalmente responsáveis, na esfera administrativa, civil e penal pelos atos ilícitos e ultra vires que praticarem; • da atenta fiscalização, pelo Senado, da atuação das agências reguladoras e seus dirigentes, desde a aprovação destes até o exame de relatórios regulares, sempre em audiências públicas; • do respeito e da obediência aos princípios gerais da administração pública, a conformar a conduta das agências reguladoras, “como o dever de publicidade de seus atos, de moralidade de seus dirigentes, de impessoalidade de suas ações.”
A práticabrasileira No Brasil, vem ocorrendo o oposto: • omissão do legislador em regular os temas afetos ao Mercado Financeiro, principalmente em sentido estrito, com observância dos ditames constitucionais; Ex: A Lei Complementar referida no art. 192 da Constituição nunca foi editada; • a maior parte das agências reguladoras não admitem a interferência ou a atuação conjunta dos demais órgãos de fiscalização do mercado. Ex: Resistência do BACEN a que a SDE e o CADE examinem atos de concentração entre instituições financeiras; • despreocupação em proteger os consumidores contra eventual abuso ou omissão das agências reguladoras. Ex: No Brasil, o BACEN manejou Recurso Especial contra decisões do TJMG, que entendiam que, em falência de banco, os poupadores têm direito à restituição de seu dinheiro, antes do pagamento dos demais credores;
interferência do governo nas decisões das agências reguladoras. Ex: Os jornais noticiaram que, no caso da Banco Panamericano, o controlador do Grupo foi pleitear interferência do Presidente da República em práticas do BACEN; • os dirigentes das agências reguladoras brasileiras não são pessoalmente responsáveis, na esfera administrativa, civil e penal pelos atos ilícitos e ultra vires que praticam. Ex: Tomada de decisões parciais, em decorrência de proximidade com os interessados, sob a alegação de discricionariedade do dirigente da agência reguladora.; • as agências reguladoras e seus dirigentes não estão sujeitas a atenta fiscalização de qualquer outro órgão do Estado.
Problemasatuais do Mercado Financeiro • Ausência de legislaçãosistêmicasobre o mercadofinanceiro (Projeto de CódigoEmpresarial); • Falta de balizasparaosentesreguladores e fiscalizadores (cujosagentesnão tem responsabilidadepessoalporseusatos); • Concentração de váriasatividades, envolvendodiversos “fundos” nasmãos de diferentessociedades, mas integrantes dos mesmosGruposempresariais.